Sobre Sentidos e Rumos

Depois de 15 anos de atividade acadêmica, 28 anos como membro da direção do Ibase e três anos como presidente do conselho, tudo permeado por muito ativismo cidadão no Brasil e pelo mundo, estou disposto a procurar formas de me reinventar no modo de continuar sendo ativista. Já não dá para bater muita perna por aí, pois a idade ensina a respeitar os limites do corpo. Ao mesmo tempo,estou buscando caminhos para compartilhar os olhares, os sonhos e os aprendizados lapidados pela vida diante de desafios trilhados, com erros, acertos e dúvidas. Sinto isto como um imperativo ético para mim, do viver coletivamente, de gerações e gerações se sucedendo e se fazendo como humanidade. Assim, mesmo sendo um “migrante” em tecnologia de comunicação digital, decidi fazer um blog para  continuar conectado e participar da aventura coletiva de buscas, como cidadania que acredita que outro mundo é possível. 

Nada como um dia após o outro. Absolutamente tudo se move e tudo muda, em movimentos extraordinariamente diferentes mas entrelaçados e nunca iguais. O certo é que o amanhã e o ontem estão aqui hoje, mas nunca da mesma forma, apesar das aparências e de ritmos que parecem constantes e repetidos. Nós, humanos, somos uma espécie viva pensante em meio a uma fantástica biodiversidade. Como todos os serem vivos, somos antes de tudo natureza, parte da natureza e dela dependemos, convivendo e compartilhando com ela, mudando junto a cada instante. O incrível é que ainda não aprendemos a conviver com a integridade dos sistemas vivos e ecológicos e nos tornamos uma ameaça a nós mesmos, a todas as outras espécies e ao próprio planeta.

Mas ainda temos possibilidades de aprender e mudar, em associação, pois esta é a sina da vida e o princípio da vida. Muitos pensam que viver é competir e dominar, onde só os mais fortes vencem, num darwinismo absoluto, como se isto fosse a lei natural que faz tudo se mover e mudar, inclusive no conjunto da natureza. Pelo caminho da competição e dominação estamos chegando a um impasse total. Estamos afetando a integridade do planeta e da vida e temos bombas nucleares capazes de implodir com tudo. Mas, por mais tênue que seja, ainda dá para enfrentar o desafio maior de agir de outro modo: tirar partido e não destruir, nos associar e conviver por mais difícil que seja, pois matar e destruir é nos matar a nós mesmos. Isto vale para a humanidade e na relação com a natureza de que somos integrantes, pois ela também se move por associação, em meio a  vulcões, raios, tempestades, terremotos e tsunamis. Dúvidas do como conviver se associando entre todo mundo e com a natureza que nos dá a vida é um desafio imenso e que atravessa a história da humanidade. Temos que reaparender com on indígenas o modo de reestabelecer relações de respeito e convivência com a natureza, como parte de nossa vida.

Por que lembrar tudo isto na apresentação de um blog de um septuagenário? Porque, por mais esdrúxulo que pareça, reagir e buscar o melhor é sempre uma possibilidade entre as muitas outras piores. Acho que isto muita gente compartilha comigo e por isto retoma a vida, como lembra o poeta cantor: “Levanta, sacode a poeira e dá a volta cima... e não desanima”. Nisto está toda a ventura de viver.

Como a denominação do blog aponta, trata-se de a cada momento captar possíveis sinais de sentidos e rumos, desde o chão dos territórios de cidadania que nos cabem e do nosso cotidiano no aqui e agora, tanto no ontem e anteontem, como no amanhã e no que virá a seguir. A seu modo é uma prática de análise de conjuntura que quer ser compartilhada mas provocando para ser criticada, corrigida ou, talvez, trazendo alguma inspiração. O importante é que consiga manter o foco no buscar, tornando as pequenas postagens do blog como uma  contribuição. Claro que elas são produzidas a partir de um ponto de vista. Cmo todo olhar, trata-se de usar uma lente, um modo de ver e analisar que me propiciou a vida. Não considero a lente que adoto para analisr como se fosse a melhor, mas uma possível. Só não dá para duvidar do meu engajamento apaixonado em disputa democrática de sentidos e rumos que podemos dar para o nosso viver, a partir de onde estamos, nossos territórios de cidadania.

Assim posta a questão que me move, vou tentar esclarecer a “lente” e  que sentidos e rumos são buscados, pois a lente precisa estar ajustada a isto. Aprendi que o impossível é o que a gente nem tenta, pois todo impossível pode se tornar possível. Ou seja, estamos lidando com opacidades do real de onde o olhamos e dada a sua complexidade pelas muitas forças e movimentos, em associação e em conflito, fazendo com que tudo se mova e nunca se repita. Ou seja, no movimento do cotidiano sempre existem sinais e rumos, mas contraditórios e em conflito, que pareciam  não estar antes e podem não estar mais amanhã, e ao mesmo tempo estar por baixo, continuando sem ser vistos. Mais ainda, a associação pode ser contraditória e em conflito, mas sempre tem chances de se resolver em nova síntese, com mudanças que às vezes custam acontecer e, sim, podem não acontecer no nosso tempo, mas um dia podem mudar. O pensar complexo e dialético é se dar ao trabalho de buscar e buscar, como caminho possível de mudar para melhor. Isto é descobrir  os rumos..., provisórios... até que mudem. É também acreditar que não existe o impossível, só o desafiador, o difícil e o árduo, atenuados quando em grandes e irresistíveis movimentos de cidadania em ação.

Reconhecer  a lente  é um modo possível de focar e aumentar a capacidade de olhar, distinguindo isto daquilo e de tudo mais, ao mesmo tempo vendo a sua relação com o todo e a sua capacidade de influir na qualidade de tudo mais. É também, conseguir ver, decifrar e estabelecer relações com outras olhares, percepções, sentidos, caminhos, pois a diversidade é parte do viver, num fazer-se coletivo social e em interação com as dinâmicas ecológicas que sustentam a vida. Não se trata de chegar a verdades incontestes, mas reconhecer que o conhecimento também se faz na associação e na troca de saberes e visões em permanente construção. A análise a que se chega sempre será um ponto de vista datado e situado, a partir dos territórios humanos em que vivemos e do alcance das lentes que usamos. 

O fato é que o buscar, dar significado e agir é próprio do viver humano com sua capacidade de produzir cultura como bem comum, com cuidado, convivência e compartilhamento, mas eivado de contradições, que podem tanto destruir como transformar. Por isto, nesta apresentação de intencionalidades para interagir com quem estiver disposto a interagir o que me move é um sentido de cidadania ativa de se associar com o compromisso de radicalidade democrática de transformação ecossocial de nosso modo de viver hoje. Tal compromisso significa para mim se orientar por princípios e valores éticos de liberdade, igualdade, diversidade, solidariedade, participação, cuidado, convivência e compartilhamento. Em termos de análise e reflexão, o foco são emergências e insurgências cidadãs, os sentidos que carregam e seus rumos na construção de um mundo ecossocial democrático, no aqui e agora. Trata-se de vigilância ativa a partir do chão da sociedade na sua interação com os territórios em que nos organizamos e vamos fazendo as nossas vidas, com todos os obstáculos e desafios que se fazem presentes. Somos muitos na busca, espalhados pelo mundão. Mas temos que nos redescobrir permanentemente, tecer relações,  construir cultura que dêem sentido ao viver e elaborar pensamento estratégico transformador para um viver bem, de bem entre todas e todos, de bem com a fantástica natureza que nos dá vida. Só movimentos irresistíveis de cidadania podem fazer isto, pela ação engajada e constantemente renovada, desde os nossos territórios locais ao mundo dos múltiplos territórios de toda a humanidade e seu planeta bem comum maior. Estados e mercados não farão tal mudança, apesar de serem necessários. Precisamos acreditar em nós mesmos e na nossa capacidade de impor agendas necessárias para outro mundo. Sonhar é buscar o caminho do possível, sem desistir. 

Claro está para mim que um tal compromisso é aceitar a necessidade de diagnosticar as relações, os processos e as estuturas de dominação, exploração, extrativismo e destruição, com seu racismo, patriarcalismo, colonialismo, eurocentismo combinados com a sua globalização em base ao livre mercado, a serviço do capitalismo desenfreado em busca de acumulação sem limites para uma pequena minoria da humanidade. Fome, miséria, desigualdades, violência no cotidiano, guerras pelo controle de recursos naturais e povos, com comprometimento da biodiversidade e da integridade dos sistemas ecológicos, são ameaças planetárias que nos cercam. Porém, precisamos acreditar e agir com determinação para mudar de rumo em nome de bens comuns planetários, sem exclusões, discriminações, destruição e violência.

Parece ambicioso demais para um blog, mas é a forma que estou vendo para dizer que estou presente e junto com muitas e muitos em busca de outro Brasil e outro mundo. A tarefa é necessariamente coletiva, mas cada uma e cada um pode contribuir para fortalecer possíveis mudanças desde aqui e hoje, desde os nossos territórios de cidadania neste maravilhoso planeta, sem medo de errar. Isto também é próprio do viver humano.



Palavras-Chave:

Democracia Viva  -  Democracia Ecossocial  -  Radicalização Democrática  -  Cidadania Vivida  -  Cidania Garantida  -  Cidadania Percebida  -  Cidadania Ativa/Ação Cidadã  -  Movimentos Sociais  -  Participação Cidadã  -  Emergências e Insurgências Cidadãs  - Direitos de Cidadania  -  Emancipação Social e Política  -  Indicadores de Cidadania  -  Princípios e Valores Éticos da Democracia  -  Cuidado  -  Convivência  -  Compartilhamento  - Integridade da Natureza  -  Territórios de Cidadania  - Mudança Climática   -  Extrativismo  -  Destruição  -  Energia  - Capitalismo  -  Exploração  -   Livre Mercado  -  Agronegócio  -  Agroecologia  -  Povos Indígenas  - Quilombolas  - Povos Tradicionais  -  Periferias  -  Racismo  Estrutural  - Patriarcalismo/Machismo  -  Discriminações  -  Migração  -  Violência  -  Poder Político e Estado  -  Dominação  -  Disputas Geopolíticas  - Sociedade Civil  -  Hegemonia  -  Fome  -  Miséria  -  Soberania e Segurança Alimentar  -  Novos Paradigmas  -  Biocivilização. 

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