domingo, 7 de agosto de 2022

Por o Cuidado no Centro dos Debates e das Propostas

 


O ódio violento e excludente se instalou em nosso seio de forma aberta, incentivado pelo atual governo, com poderosa difusão de fakenews nas redes sociais e, inclusive, com rearmamento dos grupos mais radicalizados. Hoje somos confrontados com forças que se sentem legitimadas em demonstrar seu racismo, seu patriarcalismo, seu desprezo aos excluídos de todos os tipos. A além disto, trata-se de forças que abertamente incentivam a revitalização de um colonialismo interno, passando por cima de direitos de povos indígenas, comunidades tradicionais e todas as áreas de algum modo protegidas, e incentivam o assalto sem limites aos recursos naturais, com desconstrução das suadas conquistas ecossociais das últimas décadas. A disputa eleitoral está marcada por este cenário, com muitas incertezas sobre o que pode acontecer.

Não podemos cair na tentação de simplesmente responder às ameaças e aos ódios que estão no ar. Isto é o que as forças adversárias querem, nos chamam para o seu espaço. A afirmação eloquente de um imaginário democrático ecossocial alternativo é o melhor antídoto, pois aponta outro modo de pensar nosso presente e futuro como sociedade, a partir dos territórios em que levamos nossas vidas. Mais do que esperar indicações dos arranjos e alianças políticas e partidárias, necessárias  na conjuntura, que sustentam a candidatura de Lula, cabe a nós, as cidadanias em ação, apontar os caminhos possíveis na reconstrução de uma democracia fortalecida em sua capacidade de transformação. Por isto, aos representantes que vamos eleger, precisamos demonstrando desde já o que as propostas implicam: assumir abertamente o compromisso de ser e praticar um governo participativo, o mais radicalmente possível.

Diante do ódio vigente e sua força excludente de grandes maiorias, temos que levantar a bandeira do cuidado, do reconhecimento  e do pertencimento. Trata-se de afirmar como central o que é fundamental para as pessoas poderem levar a vida: a família, a comunidade, o coletivo, como enfaticamente afirma a Vandana Shiva[1]. Eu acrescentaria ainda o sentido de pertencimento ao território que habitamos como um bem comum. Cuidar remete a conviver e compartilhar. São princípios éticos, sem dúvida, mas também relações e práticas sociais que vivemos no dia-a-dia de algum modo, mais no meio popular, das maiorias deste país. Aliás, se algo redescobrimos com a recente pandemia, com a necessidade de isolamento, foi a dependência de uns e umas de outros e outras, com a necessidade de nos cuidar mutuamente para viver. O cuidar se revelou fundamental, como um condição da vida. Revalorizamos o cuidado da casa, da alimentação, de crianças, de idosos, de nós mesmos, jovens e mulheres e homens em diferentes idades. Passamos a olhar de outra forma o cuidado profissional o indispensável que são as equipes de atendimento da saúde e, portanto o SUS. Também sentimos, especialmente as famílias com crianças e adolesces, o valor insubstituível dos sistemas públicos educacionais como cuidado essencial no desenvolvimento das novas gerações. Os chamados serviços essenciais tem este nome pois são de cuidado coletivo. Acho que olhamos muitos profissionais – como lixeiros, catadores, motoristas de transporte público e tantos outros – com quem antes até evitávamos de manter contato,  como realizando um trabalho fundamental para o todo da coletividade.

Em termos sintéticos, trata-se de buscar e propor um imaginário mobilizador para uma sociedade, uma economia e um poder que tenham no centro a arte de cuidar das pessoas em sua totalidade e de cuidar igualmente da integridade dos sistemas ecológicos da natureza, que dá condições de vida à humanidade como um todo, num planeta compartilhado. O tamanho do desafio não é desculpa para as cidadanias ativas não fazer propostas e debater, como parte do processo eleitoral e enfrentamento do bloco de forças do autoritarismo e ódio. Mas, sobretudo, precisamos pensar no que vem depois. Trata-se, sem dúvida de uma arte, de engenhosidade coletiva, não de uma lógica ou estrutura para assaltar a natureza e explorar ao máximo o trabalho em benefício próprio. Isto é o extremo oposto de uma proposta de saída autoritária em função de privilégios e da competição individual na busca de seus interesses, sem limites e violenta até,  defendendo que vençam as e os que são mais fortes, não importando quanto excluírem e o tamanho da destruição ecossocial que produzem.

Como enfaticamente afirmei na minha postagem anterior neste blog, não podemos desenvolver debate e propostas estratégicas nossas desta natureza sem ter presente a importância e prioridade de urgências e emergências que teremos para enfrentar no depois, tanto os governos e partidos da coalizão, as instituições públicas nos diferentes níveis, como nós mesmos, cidadanias ativas, uma vez vitoriosos na disputa eleitoral. Não ver isto, para mim,  seria uma negação de tudo que aprendi compartilhando e lutando com ativistas por cidadania e direitos no Brasil e no mundo. O que será importante é encarar as urgências e emergências com o cuidado no centro, um cuidado democrático transformador, combatendo injustiças ecossociais, mas empoderador e emancipador, sustentável, criando resiliência e prática da liberdade e vivência de plenos direitos para atingidos. A perspectiva estratégica deve ser incluída como proposta e debate desde agora, na sociedade civil e na política.

 

 

 

 

 



[1]Vandana Shiva, em entrevista recente insiste na recuperação política da noção de “reconhecimento” e assim lembra a família, a comunidade e o coletivo. Ver: Vandana Shiva. “Os alimentos são importantes demais para serem deixados nas mãos de milionários”. Newsletter IHU, São Leopoldo, 02/08/2022.

Um comentário:

  1. Cândido, todos os temas abordados são fundamentais. Esse, em especial. Temos aí um novo 11 de agosto que, creio, dê uma resposta adequada ao que temos assistido.

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