O ódio violento e excludente se instalou em nosso seio de
forma aberta, incentivado pelo atual governo, com poderosa difusão de fakenews nas redes sociais e, inclusive,
com rearmamento dos grupos mais radicalizados. Hoje somos confrontados com
forças que se sentem legitimadas em demonstrar seu racismo, seu patriarcalismo,
seu desprezo aos excluídos de todos os tipos. A além disto, trata-se de forças
que abertamente incentivam a revitalização de um colonialismo interno, passando
por cima de direitos de povos indígenas, comunidades tradicionais e todas as
áreas de algum modo protegidas, e incentivam o assalto sem limites aos recursos
naturais, com desconstrução das suadas conquistas ecossociais das últimas
décadas. A disputa eleitoral está marcada por este cenário, com muitas
incertezas sobre o que pode acontecer.
Não podemos cair na tentação de simplesmente responder às
ameaças e aos ódios que estão no ar. Isto é o que as forças adversárias querem,
nos chamam para o seu espaço. A afirmação eloquente de um imaginário
democrático ecossocial alternativo é o melhor antídoto, pois aponta outro modo
de pensar nosso presente e futuro como sociedade, a partir dos territórios em
que levamos nossas vidas. Mais do que esperar indicações dos arranjos e
alianças políticas e partidárias, necessárias
na conjuntura, que sustentam a candidatura de Lula, cabe a nós, as
cidadanias em ação, apontar os caminhos possíveis na reconstrução de uma
democracia fortalecida em sua capacidade de transformação. Por isto, aos
representantes que vamos eleger, precisamos demonstrando desde já o que as
propostas implicam: assumir abertamente o compromisso de ser e praticar um governo
participativo, o mais radicalmente possível.
Diante do ódio vigente e sua força excludente de grandes
maiorias, temos que levantar a bandeira do cuidado, do reconhecimento e do pertencimento. Trata-se de afirmar como
central o que é fundamental para as pessoas poderem levar a vida: a família, a
comunidade, o coletivo, como enfaticamente afirma a Vandana Shiva[1].
Eu acrescentaria ainda o sentido de pertencimento ao território que habitamos
como um bem comum. Cuidar remete a conviver e compartilhar. São princípios
éticos, sem dúvida, mas também relações e práticas sociais que vivemos no
dia-a-dia de algum modo, mais no meio popular, das maiorias deste país. Aliás,
se algo redescobrimos com a recente pandemia, com a necessidade de isolamento,
foi a dependência de uns e umas de outros e outras, com a necessidade de nos
cuidar mutuamente para viver. O cuidar se revelou fundamental, como um condição
da vida. Revalorizamos o cuidado da casa, da alimentação, de crianças, de
idosos, de nós mesmos, jovens e mulheres e homens em diferentes idades.
Passamos a olhar de outra forma o cuidado profissional o indispensável que são
as equipes de atendimento da saúde e, portanto o SUS. Também sentimos,
especialmente as famílias com crianças e adolesces, o valor insubstituível dos
sistemas públicos educacionais como cuidado essencial no desenvolvimento das
novas gerações. Os chamados serviços essenciais tem este nome pois são de
cuidado coletivo. Acho que olhamos muitos profissionais – como lixeiros,
catadores, motoristas de transporte público e tantos outros – com quem antes
até evitávamos de manter contato, como
realizando um trabalho fundamental para o todo da coletividade.
Em termos sintéticos, trata-se de buscar e propor um
imaginário mobilizador para uma sociedade, uma economia e um poder que tenham
no centro a arte de cuidar das pessoas em sua totalidade e de cuidar igualmente
da integridade dos sistemas ecológicos da natureza, que dá condições de vida à
humanidade como um todo, num planeta compartilhado. O tamanho do desafio não é
desculpa para as cidadanias ativas não fazer propostas e debater, como parte do
processo eleitoral e enfrentamento do bloco de forças do autoritarismo e ódio.
Mas, sobretudo, precisamos pensar no que vem depois. Trata-se, sem dúvida de
uma arte, de engenhosidade coletiva, não de uma lógica ou estrutura para
assaltar a natureza e explorar ao máximo o trabalho em benefício próprio. Isto
é o extremo oposto de uma proposta de saída autoritária em função de
privilégios e da competição individual na busca de seus interesses, sem limites
e violenta até, defendendo que vençam as
e os que são mais fortes, não importando quanto excluírem e o tamanho da
destruição ecossocial que produzem.
Como enfaticamente afirmei na minha postagem anterior neste
blog, não podemos desenvolver debate e propostas estratégicas nossas desta
natureza sem ter presente a importância e prioridade de urgências e emergências
que teremos para enfrentar no depois, tanto os governos e partidos da coalizão,
as instituições públicas nos diferentes níveis, como nós mesmos, cidadanias
ativas, uma vez vitoriosos na disputa eleitoral. Não ver isto, para mim, seria uma negação de tudo que aprendi
compartilhando e lutando com ativistas por cidadania e direitos no Brasil e no
mundo. O que será importante é encarar as urgências e emergências com o cuidado
no centro, um cuidado democrático transformador, combatendo injustiças ecossociais,
mas empoderador e emancipador, sustentável, criando resiliência e prática da
liberdade e vivência de plenos direitos para atingidos. A perspectiva
estratégica deve ser incluída como proposta e debate desde agora, na sociedade
civil e na política.
[1]Vandana Shiva, em entrevista recente insiste na recuperação política da noção de “reconhecimento” e assim lembra a família, a comunidade e o coletivo. Ver: Vandana Shiva. “Os alimentos são importantes demais para serem deixados nas mãos de milionários”. Newsletter IHU, São Leopoldo, 02/08/2022.
Cândido, todos os temas abordados são fundamentais. Esse, em especial. Temos aí um novo 11 de agosto que, creio, dê uma resposta adequada ao que temos assistido.
ResponderExcluir