domingo, 25 de setembro de 2022

As Origens Profundas da Intolerância e Ódio Entre Nós

Com esta eleição, temos um grande desafio imediato que é criar condições para reestabelecer minimamente as bases democráticas definidas em 1988, que apontam para o reconhecimento mútuo e convivência em base a direitos na diversidade. Concretamente, está possibilidade está sendo apontada por pesquisas eleitorais e por muitos analistas, com a vitória de um bloco de forças democráticas em torno ao Lula no confronto com o presidente atual, postulante à reeleição. Mas  o inominável vem alimentando suspeitas quanto à lisura do processo eleitoral e não esconde suas inclinações golpistas e autoritárias. Esta eleição tornou-se estratégica para  definir um limite a tal possibilidade de fratura social e política, mas não eliminá-la por si só.

Uma democracia e sua institucionalidade definem o modo de enfrentamento das desigualdades ecossociais e dos conflitos que se geram historicamente na sociedade concreta. Para isto, afirmam princípios e valores éticos na forma de direitos de cidadania igual na diversidade. Mas democracia não é um projeto acabado. Trata-se de um processo que pode ser mais ou menos virtuoso em termos de garantir direitos iguais na diversidade, dependendo das circunstâncias, ativismo da cidadania e correlações de forças. E também destas condições depende a possibilidade de ruptura democrática e de plena instalação de regimes autoritários e fascistas. Este segundo cenário se configurou pela atuação das forças em torno ao presidente atual, alimentando e mobilizando abertamente o ódio e a intolerância em nosso seio, com apelo até à religião, numa combinação totalmente esdrúxula de “Deus, Pátria e Família”.

Mas voltando ao ponto, mesmo com a vitória de forças declaradamente democráticas, estaremos fixando um limite ao ódio e à intolerância que se manifestam descaradamente na atualidade. Mas não podemos esquecer que estamos diante de um terço da cidadania apta a votar no Brasil que respalda este modo de agir e viver, apoiando o seu líder candidato à reeleição. Como vamos enfrentar tal legado e como desativá-lo?  

O ódio e a intolerância tem raízes históricas e estruturais profundas. Somos  uma sociedade e um país “independente” formada a pau e fogo pela conquista e colonização,  que implicou na eliminação sistemática de povos originários e na formação de  uma economia baseada no tráfico negreiro e trabalho escrava para sistemático extrativismo destrutivo em busca de matérias primas para o capitalismo nascente. Não cabe aqui examinar as mudanças que foram feitas ao longo do tempo, mas que parecem mais reinventar e modernizar e pouco transformar de fato as relações, as  estruturas e os processos. Enfim, somos ainda hoje uma sociedade profundamente desigual, excludente, violenta e destrutiva,  em termos socais e na relação com a natureza.  

A Constituição de 1988 teve na sua origem potentes movimentos de cidadania contra a ditadura militar e por democracia com mais justiça e igualdade. Por isto, alimentou um imaginário de ser possível enfrentar nossas heranças estruturais fundadas no colonialismo, racismo e patriarcalismo, com violência como norma dominante, em todos os domínios. De algum modo a agenda do enfrentamento obteve legitimidade na esfera pública da sociedade, nas  instituições e na Constituição. Tivemos, sem dúvida, alguns avanços, mas... as mudanças estruturais buscadas não conseguiram criar situações irreversíveis. Este é o desafio de fundo para uma potente democracia entre nós. Saberemos reinventá-la a partir de onde estamos agora? O desafio hoje de não é igual, mas é tão grande como o que tivemos para  derrotar a ditadura.

Como ativista e analista penso no quando e como erramos para chegar à situação que vivemos nos últimos anos. O ódio e a intolerância não foram inventados agora, foram reativados e legitimados no processo que nos levou ao atual governo na esfera pública, como modo de fazer política e alimentar aos seus apoiadores fanáticos. Agora, teremos uma gigante tarefa emergencial para enfrentar a desregulação democrática e o esvaziamento de políticas em várias frentes, com apoio aberto para o desmatamento em vários biomas, com liberação do rearmamento e estímulo à violência no dia a dia, pregação de racismo, misoginia e homofobia, com um ideal que premia os mais competitivos e fortes, a serviço dos donos do agronegócio e empresas quer apoiam isto tudo. O ódio e a intolerância combinados , envernizados pelo apelo a certas manifestações religiosas como mandato de deuses, mostram o tamanho da encrenca.

Vamos precisar muito ativismo cidadão radicalmente democrático e transformador para fazer face a isto. Teremos vontade, força política e saberemos dar conta de tal tarefa inadiável? Ganhar a eleição é estratégico. Mas a vitória do bloco democrático não assegura que a busca de direitos na diversidade e com perspectiva transformadora ecossocial tenha real hegemonia como direção a dar no curso do país. Sem cidadania disputando a hegemonia de tal imaginário, não serão os mandatos conferidos  a  governantes e legisladores que poderão dar conta por si mesmos. Esta é uma tarefa histórica que só a ação cidadã permanente pode impor aos poderes  e, através deles,  à economia.

Os tempos que se aproximam são de muitos desafios. Haja convicção e engajamento! Novamente, a hora é da cidadania fazer a diferença fundamental.

2 comentários:

  1. Candido, você ressalta com muita propriedade a importância da mobilização da cidadania. Como manter isso depois do período eleitoral? Parabéns pela iniciativa!

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  2. Leio e reeleio os seus escritos, ainda sempre impressos. São escritos críticos que exigem leituras profundas dos pressupostos históricos na correlação de forças em disputa na conjuntura atual do Brasil. Além de desmascarar as estratégias do populismo desvairado do presidente e das elites desmensuradas da\ extrema direita, os escritos estimulam e provocam os leitores a uma "práxis" - ação transformadora - na organização de movimentos sociais e políticos em defesa e na construção de uma democracia ativa, participativa, viva da sociedade brasileira. É bom alertar os esperançosos de uma outra sociedade, de um outro Brasil, que a democracia participativa não inicia às oito horas com abertura das urnas e não termina às dezoito horas com o fechamento das urnas no dia das eleições. A democracia viva tem um começo, mas não tem fim. Parabéns, Cândido, continue a arquitetar os escritos, sempre inéditos e essenciais para as transformações no movimento para uma construção coletiva dessa nova - outra sociedade: "modo de viver, divergir e lutar politicamente".

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