quarta-feira, 22 de novembro de 2023

Continuar Buscando e Acreditando Que é Possível um Outro Mundo, Apesar de Tudo


E o genocídio de Israel na  Palestina continua, com conivência dos donos do mundo! E eles ainda tem a ousadia de falar que se trata de uma guerra de civilização contra o terrorismo, contra a barbárie. A grande maioria da humanidade não tem conseguido impedir tal atrocidade contra famílias, crianças e idosos palestinos que simplesmente querem viver e deixar viver. No momento, são eles que estão no alvo das bombas. Mas, nunca podemos esquecer que tal ameaça paira como uma condenação sobe as grandes maiorias do mundo, em sua vibrante e vital diversidade de povos, culturas e territórios. O sistema dominante no mundo se fez pela colonização e se perpetua pela subjugação, discriminação, exploração e morte a serviço de poucos. Até quando?

Sem dúvida, um sentimento de impotência toma conta em conjunturas como esta. Não que a violência com assassinatos não seja a regra de qualquer dominação. Mas os seus momentos de implosão militar devastadora sobre um povo inteiro e, ainda mais justificada como “legítima defesa”,  extrapolam qualquer princípio de convivência, cuidado e compartilhamento da vida e do planeta entre todos os povos. A indignação e as gigantescas demonstrações de solidariedade ao povo palestino nas ruas das principais metrópoles do mundo parecem clamores de desesperados diante da lógica implacável de guerra de extermínio promovida pelo colonialismo de Israel, com apoio incondicional de EUA e seus aliados.

É difícil a gente não se sentir abalada, perder o rumo e, até, duvidar da possibilidade da humanidade construir outro mundo, sentimento compartilhado por grandes maiorias, em sua vibrante diversidade de culturas e povos. Não desistir e continuar buscando caminhos é um imperativo ético para ativistas por direitos de igualdade entre todas e todos,  nesta conjuntura em que os donos do mundo demonstram não ter nenhuma consideração ética ou humana, no uso da força do extermínio para manter seus privilégios, interesses  e  domínio sobre o destino da humanidade e do planeta.

Não dá para ignorar o que está acontecendo e nem podemos nos acomodar, pois o genocídio tem muitas faces em sua  manifestação de lógica destrutiva contra os “outros”.  Está no meio de nós também, sob outras formas, mas igualmente seletiva e assassina, sobre povos indígenas e tradicionais, as maiorias negras, especialmente jovens, as grandes periferias pobres urbanas e rurais. As nossas estatísticas de assassinatos o demonstram no dia a dia, como uma espécie de  guerra larval. Claro, o impacto dos bombardeios sistemáticos sobre população civil confinada numa prisão a céu aberto, com destruição de tudo, sem água e sem comida, é simplesmente aterrador.

Num contexto assim, como renovar a imaginação transformadora e continuar buscando? Talvez uma grande questão que precisamos nos fazer como cidadanias ativas – em  busca de sentidos e rumos democráticos, transformadores, de justiça e direitos ecossocial iguais – é nos perguntar a nós mesmos que Brasil o mundo precisa? Qual  é a nossa parcela de responsabilidade e como podemos  contribuir para outro mundo? Fazendo a nossa parte já seria louvável, mas ainda assim insuficiente. Como país, de qualquer ponto de vista, dado o tamanho do território, da população e da nossa economia, temos enorme responsabilidade.

Vamos em partes. Por exemplo, só a emblemática questão da demarcação de territórios dos Povos Indígenas é em si expressão de um colonialismo internalizado devastador, que tem por trás um genocídio  - ou tem outro nome? - longo de mais de cinco séculos. Até quando? Mas temos também a questão dos territórios quilombolas e do racismo estrutural, vigoroso e potente até hoje. E como definir as cidades partidas com o confinamento de populações “periféricas”, também sem água, saneamento, comida escassa, falta de hospitais, escolas com crianças sob o risco de balas em meio a guerras larvais, em territórios degradados e habitações e serviços precários, sob controle do crime organizado? Eufemismos conceituais não servem para esconder uma forma de genocídio normalizada e contínua. Como toleramos isto? A isto vale a pena acrescentar a combinação o agronegócio para exportação, conquistador e desmatador, constantemente flagrado com trabalhadores submetidos a algo análogo à escravidão. Pior de tudo é que na busca de lucro sem limites nossa agricultura dominante,com grandes rebanhos e colheitas, nem é capaz de saciar a fome de milhões de brasileiros. São os nossos crimes contra a humanidade e planeta, que ainda são negados por amplos setores no interior da sociedade brasileira e que alimentam opções fascistas na política interna e internacional. A isto cabe acrescentar o extrativismo petroleiro e mineral, que agride territórios das mais diversas formas, deixando destruição para a população local.

Poderíamos considerar também a região de que somos parte, com suas potencialidades e mazelas. Que solidariedade praticamos neste campo? Muitas vezes já pensei se não estamos de costas para a região, priorizando atenção a questões nas esferas centrais do poder no mundo. E aí nos deparamos com mais uma exorbitância a ameaçar o vibrante povo da vizinha Argentina, que passou por aquele extermínio durante a ditadura militar. Como vamos lidar com a ameaça que o fascismo extremado de Milei  e  a desconstrução democrática que vai empreender na Argentina e para a região e o mundo? Vamos dar as costas, já que não é aqui? Como ficam projetos potencialmente virtuosos como UNASUL e o integrador Mercosul? O excêntrico Milei, como Bolsonaro, não são problemas confinados a fronteiras nacionais, em se tratando de democracias e cidadanias.

Sem dúvida, temos virtudes no seio da sociedade civil, muitas até. Considero a experiência brasileira de cidadanias ativas algo fundamental. Trata-se de uma vibrante multidiversidade de identidades e vozes, movimentos e ações, especialmente nos territórios, como venho lembrando ao longo das postagens no blog. Mas nos faltam processos de convergência para impactar a esfera política do poder estatal e, através dele, realizar as mudanças necessárias nas relações e estruturas de uma economia predominantemente  de costas para a maior parte da população brasileira. E tenhamos claro, isto é condição para ajudar a construir outros mundos!

Enfim, já fomos capazes de criar algo como o Fórum Social Mundial, tendo uma certa expressão das nascentes cidadanias mundiais na arena internacional, na primeira década do século XXI. Mas não soubemos nos reinventar diante de novos desafios e, sobretudo, recusamos ter um FSM com protagonismo, o que o vem tornando irrelevante politicamente. Participamos, sem dúvida, de muitas coalizões e redes de movimentos e organizações com atuação regional e mundial. Mas, novamente, segmentados por agendas específicas. O todo nos foge das mãos ou, talvez, nem ambicionamos incomodá-lo. Lamentavelmente, temos que reconhecer que os donos do mundo não se sentem atingidos em nada.

Desistir não dá! Mas é em tal situação que nos encontramos. Apesar de que o risco do fascismo à brasileira nos levou a um certo engajamento na eleição do Lula, criamos um Parlamento que é mais uma expressão do atraso ao gosto dos donos de gado e gente. Ou seja, as cidadanias ativas estão longe de conseguir fazer valer uma agenda política no Brasil de transformação democrática ecossocial. Esta é uma tarefa sobretudo nossa, do ativismo cidadão brasileiro, fazendo uma articulação virtuosa da potente diversidade de vozes e situações que enfrentamos, expressas num projeto comum. Precisamos , sim, de partidos, mas não que nos dão as costas nos intervalos eleitorais. Democracia precisa de eleições, mas muito mais de cidadanias ativas. Parece que nossos partidos de esquerda esquecem disto.

Não temo em reafirmar que só com hegemonia democrática ecossocial na sociedade civil que nossos princípios, valores, concepções e propostas podem nos levar a enfrentar as nossas mazelas no Brasile ser uma importante contribuição para a humanidade inteira.

Por onde começar? Ouso dizer que precisamos superar a desmobilização atual, como se estivesses cansados e sem perspectivas. Volto a dizer, ganhamos uma eleição para a presidência, mas não conquistamos hegemonia política na batalha dos princípios, valores e ideias de outro Brasil para Outro Mundo. O que estamos esperando? Que outras grandes ameaças aconteçam para reagir? Ameaças de todo tipo continuam a acontecer, combinando as mazelas sociais com a severidade da mudança climática, que já está demonstrando o que significa. Estamos esperando que Lula e seus ministros nos surpreendam com algo bombástico? Se há um desempate a ser feito ele deve acontecer no chão da sociedade. É na potência organizada da diversidade de identidade e vozes com suas propostas que está o segredo de processos transformadores.

 

 

domingo, 5 de novembro de 2023

Existe Algum Sentido Ético Comum de Sermos uma Só e Mesma Humanidade?

 

Na busca de “Sentidos e Rumos” – tarefa de síntese que me atribui como pensador e ativista nesta fase da vida – cheguei num monumental impasse nestes dias, anunciado na dúvida que está no título da presente postagem. Sei que o ódio e o genocídio são práticas recorrentes na história da humanidade. Não tenho certeza, mas acho que todos os povos tiveram e tem seus momentos de explosão dos ódios e da prática do genocídio. No entanto, nunca duvidei que existe um certo senso comum de que compartimos a mesma humanidade, apesar de sermos obrigados a conviver com intolerâncias, racismos, ódios, violência e assassinatos e extermínios coletivos, de maior ou menos intensidade, como se fosse um modo de conviver. Não preciso ir muito longe neste quesito, pois o Brasil é até uma nação emblemática mundialmente de prática de ódio e genocídio larval escancarado contra as grandes periferias urbanas e rurais, os nossos “guetos”, junto com o quase extermínio dos Povos Originários, ainda hoje lutando pelo seu direito aos territórios usurpados.

A dúvida que me assalta é pelo que está acontecendo na guerra entre o Estado de Israel e o Hamas, entre israelitas e palestinos. Estamos diante de um genocídio transmitido ao vivo diariamente, nos mais diversos canais, que nos tornam testemunhas da mais um caso de odienta barbárie contra um povo inteiro, que somos capazes de produzir. Além da brutalidade do ataque sem nenhuma consideração com os civis, particularmente as crianças mortas junto com suas famílias, a guerra impacta dolorosamente por não termos muito como agir diante disto, além de gritar. Como é possível tal violência exterminadora, ainda mais sendo praticado pelo povo judeu que sofreu o holocausto naquele horrível contexto do nazismo?

Aqui cabe, antes de tudo, um esclarecimento. Não dá para confundir o Judaísmo com sionismo. O Judaísmo é uma cosmovisão sobre a origem o Planeta, da vida e  da finalidade da humanidade, um modo de ver e praticar a vida em coletividade, uma religião e uma potente cultura, uma das três grandes tradições monoteístas na história. O sionismo, ao contrário, não passa de uma ideologia de poder e uma forma de dominação, que se desenvolveu no seio do povo judeu diante de tudo que sofreu ao longo dos séculos. A seu modo, o sionismo é uma concepção de domínio, racista, excludente e destruidora, nada a ver com a vibrante cultura judia a não ser pelo fato de ser abraçada por grupos de judeus. O bloco na frente do poder estatal em Israel é composto por sionistas assumidos, de uma direita extrema que declara abertamente a intenção do extermínio dos diferentes,  no caso os palestinos em particular, mas extensivamente os povos árabes na sua volta, em geral de tradição cultural e religiosa islâmica.  

O que assistimos nestes dias, no confronto entre Israel e o povo palestino, é mais uma expressão de política sionista, com hegemonia política, em ação. Com a justificativa de destruir a organização extremista do Hamas e seu ataque surpresa em 7 de outubro, o Estado de Israel, invasor e colonizador, está bombardeando sistematicamente tudo,  em especial o “gueto de palestinos” na faixa de Gaza, criada com a colonização brutal do povo palestino e seu território, desde o século passado. Pior ainda, o poder imperial euro-americano é o grande aliado e o fornecedor das armas para tal carnificina! Qualquer resolução no Conselho de Segurança da ONU não passa, devido ao poder de veto de EUA e seus aliados.

Não se trata de considerar legítima a ação do Hamas e de nenhum grupo de ação violenta. Mas é fácil acusar um grupo assim como terrorista e sua forma de agir, sem ver a violenta dominação e extermínio abominável, imposto por Israel e sua elite estatal ao povo palestino colonizado. Considerar um povo inteiro como culpado por defender o seu direito de viver, com sua cultura e religião, no que foi seu território, é praticar o apartheid como forma de política de Estado. Simplesmente aterrador que isto esteja acontecendo, pois é uma agressão também à maior parte dos povos que compõem o mundo hoje. Basta ver a solidariedade aos palestinos que vem sendo demonstrada nas ruas e nas redes sociais pelo mundo inteiro, até à revelia dos governos de turno nos seus países.

Não é o primeiro genocídio em grande escala a ocorrer. Já houve outros com a mesma intensidade ou até pior. Mas por que a humanidade é incapaz de avançar e saber compartir  o Planeta Terra entre todos os povos e de evitar isto? Será que a fabulosa diversidade humana é o problema? Ou a falta de humanidade dos que se consideram superiores e os únicos com direito de tudo dominar segundo a sua força bruta e seus interesses?

Enfim, sinto-me em estado de choque. Nascido em Erechim, no RS, de colonos poloneses católicos, quando criança tive a oportunidade de conviver com judeus, que tinham uma grande comunidade em torno ao distrito de Quatro Irmãos, na época. Por sinal, muitos deles falavam  polonês, língua familiar para mim também. Mas a questão  da perseguição aos judeus e, sobretudo, o extermínio praticado pelo nazistas e fascistas fui compreendendo com o avanço dos meus estudos. Aí comecei a admirar muitos intelectuais judeus de esquerda, de grande envergadura, que tenho como referência nas minhas reflexões e escritos. Mas não conheço em profundidade a  grande história do povo judeu. Nem conheço adequadamente a questão palestina em si. Só sei que extermínio não é solução para ninguém, tanto os que são colonizados, exterminados ou expulsos de seu território, como os exterminadores dominantes, por mais que gerações passadas tenham tido que sofrer a diáspora por séculos.

Não existe nenhum povo ou cultura superior. Afinal, o que é ser superior? Ter exército poderoso e arma atômica? Ter o domínio da economia, feita de exploração do trabalho humano de muitos, colonização e extrativismo destruidor, como é o sistema capitalista dos últimos séculos?

Como pensador, analista e ativista, me engajo em busca de transformações democráticas ecossociais, que se assentem em princípios e valores éticos do cuidado, da convivência e do compartilhamento entre todas e todos no Planeta Terra. Isto comungo com muitos grupos civis de ativistas pelo mundo inteiro, movimentos sociais, coalizões, redes e fóruns civis. Mas em nenhum lugar temos o poder estatal efetivo e, ouso dizer, nunca teremos. No entanto, defendemos que só as cidadanias, em sua fantástica diversidade de povos, culturas, visões, tem a legitimidade instituinte e constituinte do poder estatal, como poder mandatado pela cidadania para regular o conjunto da economia, vida social e política, cultural, em nome do interesse comum. Assim, nossa capacidade se baseia na defesa de uma ordem ética, política e humanitária, onde a democracia includente e intensa ainda é a melhor forma de viver. Nossas armas são apenas argumentos em paciente trabalho de educação, diálogo e trocas, debates e disputas  de valores e ideias na esfera da sociedade civil, sem violência. Nossos atos mais impactantes são mobilizações e grandes manifestações nas ruas e espaços públicos, desde os territórios em que vivemos. Bem, consideramos fundamental participar do poder estatal para moldá-lo ao interesse comum. Não cansamos da disputa de ideias e narrativas, tanto afirmativas como as que enfrentam as ideias individualistas, autoritárias, fascistas, de defesa de interesses privados ou de grupos específicos. Temos como lema a liberdade e a igualdade na diversidade de todas e todos, grupos e povos, Norte, Sul, Leste ou Oeste, que formamos a humanidade. Nenhum grupo ou povo é melhor que outro. Ninguém pode reivindicar direitos adquiridos, pois os direitos são definidores da própria condição de compartir humanidade ou não são, não passam de privilégios que acabam legitimando dominações e exclusões.

Sei que esta postagem é um desabafo angustiante. Mas não dá para ficar em silêncio diante de tragédias assim como a que está sendo submetido o povo da palestina. A prática do extermínio  agride a humanidade inteira, extrapola as mazelas que a maioria sofre constantemente e assim mesmo vai levando a vida. Aí, neste contexto entre o poderoso Estado de Israel e o despoliado povo palestino, novamente beiramos o abismo da barbárie total de uma parte sobre outra. Será a guerra total a única forma de resolver nossas legítimas e vitais diferenças?  Termino afirmando que a vida, toda vida, se sustenta na diversidade! Prezemos, fortaleçamos e defendamos a diversidade, talvez a condição única para a humanidade não se autodestruir com as ideologias excludentes que nos contaminam, destruindo a nós mesmos e o próprio Planeta, nosso “paraíso” no aqui e agora!