O que aconteceu no Rio na terça-feira, dia 28 de outubro, é inaceitável em uma democracia que vale a pena ser vivida. Empreender uma “verdadeira guerra” em território bem comum de cidadania é um ato que só produz morte e nunca poderá ser considerado uma política para garantir o direito fundamental de segurança pública.
O que passa na cabeça do
governador Castro? Bem, para quem até propôs um adicional para os policiais
eliminar “criminoso” é revelador da afronta ao sentido mesmo de segurança
pública numa democracia. Queremos direitos garantidos, mas não uma política
que, sob justificativa de combate ao crime organizado, nega o devido processo
legal na condenação e prefere o enfrentamento que acaba dando no que deu:
muitos inocentes mortos por viver em periferia pobre, junto com criminosos que
nunca poderão ser julgados por que eliminados. Aliás, se presos fossem, nossa política,
que prefere o confronto, não garante a vida para quem é considerado criminoso,
preso e julgado. Ao governo do Estado do Rio parece que só conta eliminar os
considerados bandidos, sem se importar com os muitos inocentes que podem ser
fuzilados, só por ter que sobreviver em território “de risco”. Sr. Governador, para onde eles podem ir senão
aguentar a falta de tudo que são as favelas e os tais “complexos?”. Basta e
basta! Impeachment no Castro e mais oito anos de inelegibilidade!
A primeira razão de ser de uma
política de segurança pública é para garantir iguais direitos a toda cidadania.
Aliás, criminalizar o consumo de drogas só pode levar a situações assim. Não só
matanças, mas crimes. Basta ver o que o Trump e o poderoso exército sob seu
comando estão fazendo no Caribe e Pacífico. Abater simplesmente pode ser
aceitável? Por que não prende e averigua? Isto vale para nós aqui, para nossas
cidades. Quantos mortos ainda precisamos chorar e contar com esta política de
“guerra” inútil? Até quando vamos aceitar tal agressão a um direito fundamental
de segurança, individual e coletivo?
Bem, podemos divergir como
cidadãos sobre a melhor política. Mas estamos realmente buscando uma verdadeira
política de segurança pública em todos os níveis de governo? Concordando com
muitos, considero a política de criminalização de drogas um erro e a pior forma
de combater uma questão de vício e saúde, que sempre existiu e que a
criminalização de seu consumo só aumento mortes e em qualquer lugar do mundo
vem se mostrando ineficaz. Não seria melhor considerar o consumo de drogas como
uma grave questão de saúde ao invés de usar arsenais de repressão que só
estimulam mais e mais o próprio tráfico e seu investimento em armamento com
armas letais e até bombas jogadas por drones, como noticiado e visto no caso de
terça-feira, no Rio? A Suíça, centro financeiro mundial e até de lavagem de
dinheiro do crime organizado – pouco criminalizado neste mundo globalizado – na
questão das drogas tem uma política de saúde antes e acima da repressão. Vamos
só imitar a lavagem de dinheiro e não os bons exemplos de políticas de cuidado
com drogados da Suiça? É uma contradição, eu sei, mas vale a pena lembrar que
boas políticas públicas sempre ficam atrás de mercados. Aliás, os traficantes
são antes de tudo uma questão de mercado, de bom negócio e sua “ditadura”.
Bem, temos o imediato a tratar e encontrar
formas de evitar que volte amanhã a acontecer: uma “guerra interna”, bem ao
gosto de ditaduras repressivas e assassinas. Na verdade, simplesmente nada dá
para esperar do Governo Estadual que temos, com grande conivência da própria
Assembleia Estadual e um Judiciário... que deve muito, fazendo pouco para o que
pode fazer. Afinal, é a institucionalidade do Estado do Rio que está em
questão.
O que agrava tudo é constatar que
os Governos Estadual e os Municipais não criam prioritariamente “virtudes” com
suas políticas pois “deixam ao léu” as áreas periféricas e faveladas. Como
lembrou-me minha filha, que trabalha na Barra mas mora em Santa Tereza, sobre o verdadeiro terror e paralização da
cidade do Rio: “A Zona Sul é outra cidade e outro Estado, não o Rio”.
Precisamos de muito mais cidadãs e cidadãos do Rio que vejam assim os
contrastes de um território comum com muralhas, cuidando a cidadania de “ricos”
e promovendo a repressão/guerra aos pobres”. Isto não pode ser considerado como
democracia efetiva.
A política de Segurança Pública
que a democracia e a diversidade para ser cidadania necessitam nunca poderá ter
como base a possibilidade de usar prioritariamente a repressão e a violência
armada, ao invés de ser uma ação assentada na prevenção da violência. O que aconteceu na terça-feira no Rio foi uma
guerra interna do Estado contra a cidadania. Os inocentes assassinados não são
simplesmente “mortes colaterais” em zona de crime. Se é “zona do crime”, foi o
Estado negligente que permitiu se formar aí, exatamente nas periferias pobres e
excluídas, longe do olhar do Estado e, no caso do Rio, da glamorosa “Zona Sul”.
Temos uma cidade partida e políticas públicas partidas. O ocorrido mostra ação
estatal desastrosa e até criminosa. “Balas perdidas” não existem, pois sempre
são intencionais e dirigidas. Estamos diante de ação estatal que é um desastre,
tanto na concepção como na execução. Inadmissível em democracia, que, aliás, só
floresce desde o chão da sociedade, desde os territórios que habitamos e onde
buscamos viver tendo por princípio o cuidado, cuidado com todas e todos e
cuidado com a própria integridade dos territórios. “Favelas são cidades” e não
zonas de crime!
Sei que esperar no imediato algo
virtuoso em termos de políticas públicas no Rio é quase perder tempo e
mergulhar no desespero. Mas culpar o Governo Federal é ignorar que a Política
de Segurança, como vem sendo pensada e proposta, precisa passar pela institucionalidade
existe. Ou seja, depende de aprovação do Congresso, dominado pelo execrável
“Centrão” – uma espécie de câncer implantado em nossa democracia
institucionalizada, com suas virtudes e limites. No Congresso não predomina a
busca do bem público possível. Antes disto, predominam os interesses paroquiais
de “lobbies” e do tal “Centrão”, mais preocupado em emendas parlamentares para
seus redutos eleitorais do que com a democracia e a busca do bem comum e de
direitos iguais na nossa diversidade.
Finalizo afirmando que não
teremos saída se a Segurança Pública não for pensada e formulada como base em
direitos iguais. Mais, não avançaremos se nós, a diversidade de cidadanias
ativas neste nosso imenso país, não tivermos um foco especial em tal política
pública. Este nosso Brasil de múltiplas exclusões e até “guerras internas” depende da nossa
ação, como cidadanias ativas na praça pública e apontando caminhos para
mudanças profundas, entre elas na Segurança Pública. Não podemos esperar por milagres em
políticas! Ou nós agimos, pois somos a base de políticas, ou nada acontecerá.
Rio de Janeiro, 29.10.2025
Cândido Grzybowski