domingo, 24 de julho de 2022

Os Desafios Que Temos na Atual Conjuntura Eleitoral


Como assinalo na definição do blog, estou em busca de sentidos e rumos para contribuir como analista e ativista na transformação democrática da situação que vivemos no Brasil e no mundo. Até aqui, procurei ser explícito sobre alguns pressupostos preliminares em que baseio as minhas análises. Sei que faz parte de qualquer análise o buscar e o errar, o ser incompreendido, o ser parcial, o não ver outros elementos também essenciais.  Na verdade, acredito e aposto no ganhar inteligência e força coletiva pelo compartilhamento e acolhimento, tanto de análises como de reações e críticas a elas, entre os que assumimos valores e princípios éticos comuns. Trata-se de contribuir abertamente para a construção de  saberes com sentido de ser resultado de produção conjunta. Afinal, é  uma tarefa coletiva que está na essência do fazer democracia, superando a imposição da busca de realização do interesse individual como norma dominante do viver no capitalismo.

Para  ativistas por uma democracia viva e intensa, os desafios conjunturais não se evitam ou contornam, mas se enfrentam com análise e luta. É assim que a perspectiva estratégica adquire sentido e densidade, fortalece a unidade na diversidade, vira cimento do “bloco histórico democrático”, com potencial transformador desde aqui e agora.

O se situar e lutar na conjuntura é sempre fundamental para as cidadanias em ação. Este é o campo por excelência da ação cidadã, pois sua razão de ser é buscar “brechas” e apostar em possibilidades nos momentos em que a história vai sendo feita, até nas mais difíceis relações de forças conjunturais.  Mas nem a melhor análise e  nem a mais radical ação/luta são por si mesmas suficientes. A vontade política se forja e ganha potência na combinação virtuosa de análise consistente e ação engajada entre muitos através do bloco histórico democrático transformador, gerando um movimento irresistível. Até podemos não ganhar, mas sempre produziremos efeitos novos e mais duradouros para nós mesmos e impactos no conjunto das relações de forças em dado momento histórico. Aí reside a grande potencialidade  que podemos obter no processo democrático mais intenso possível, para além de poderes políticos e econômicos existentes, nas conjunturas dadas.

A análise de conjuntura sempre implica em nos entender, a nós mesmos, como força que busca mais e mais democracia, e entender “as outras forças” em sua diversidade e os blocos em que se organizam. Aí sempre ocupa um lugar central o bloco de forças contrárias. Porém, não podemos confundir as forças contrárias a enfrentar e, se possível, derrotar,  com aquelas divergentes quanto à estratégia e o método do que propomos como bloco democrático transformador. Análise e ação cidadã ou ação cidadã e análise, sempre são bases para num processo contínuo visando nos fortalecer como “bloco de forças democráticas” diante do bloco contrário hoje dominante no cenário nacional brasileiro.

O desafio conjuntural, no Brasil e no contexto de radicalização de disputas hegemônicas globais, é contribuir para a reconstrução de um poderoso bloco de forças capaz de nos   apontar um horizonte de transformação ecossocial democrática para o país, tendo como tarefa primeira vencer eleitoralmente um personagem símbolo, autoritário e fascista, racista e misógino, pregando o ódio, como líder e aglutinador de um bloco antidemocrático. A derrota eleitoral do líder é também a forma mais imediata de fragilizar o bloco de forças antidemocráticas, que conta com um importante núcleo resiliente na sociedade brasileira, com quem temos que conviver. Mas nada melhor do que obrigá-los a se sentar à mesa e negociar democraticamente.

É sobre este imbróglio que gostaria de começar avançando na minha postagem de hoje e nas próximas. Em nenhum momento tem sido minha intenção  desviar a mirada ao que temos no aqui e agora como tarefa. Mas como é de análise que se trata, como um dos componentes a se somar à vontade coletiva que estamos construindo – para derrotar o monstro ameaçador do autoritarismo, com raízes mais profundas do que pensávamos –  estou preocupado em chamar atenção àquilo que nos pode fortalecer. Vejo que é prioritária a disputa de hegemonia, literalmente.

Para a disputa de hegemonia, devemos buscar constantemente um amálgama e uma síntese agregadora do “pluriverso” de sujeitos coletivos em ação em torno ao imaginário democrático comum  que nos mobiliza, com visões e propostas de outro Brasil. Precisamos não descuidar da tarefa de tornar claros os modos de ver, os princípios e valores éticos que comungamos, os direitos iguais na diversidade que buscamos e defendemos, as formas de participação e gestão do Estado/poder e da economia/mercado justos e includentes que propomos, garantindo a centralidade dos bens comuns, do cuidado, do compartilhamento e da convivência entre todo mundo, sem descriminações e exclusões, buscando o respeito aos sistemas ecológicos e a preservação da integridade do conjunto da natureza que nos cabe cuidar. Trata-se demonstrar consistência no modo de ver, propondo e ganhando legitimidade no discurso e no debate político sobre nós mesmos, a pluralidade cidadã deste país de enormes contradições e possibilidades, sobre nossas origens e onde estamos hoje, sobre o território e sua integridade, sobre o queremos e devemos deixar para as novas gerações usufruírem e viverem plenamente. Enfim, um imaginário mobilizador e criador de uma onda irresistível, exigindo um processo consistente de transformação ecossocial.

 Nesta conjuntura de relações de forças, a disputa de hegemonia é entre propostas de democracia em confronto com a ameaça autoritária que não pode ser desprezada, pois  já está agarrada no próprio poder estatal e no Congresso Nacional, com adesão no seio da sociedade.   Não se trata de simplesmente tentar entender  a agenda contrária  e tê-la como prioridade a ser enfrentada. Trata-se , antes de tudo, de afirmar a nossa, mas com a explícita intenção de estar desconstruindo a outra, ao mesmo tempo, ao mostrar os nossos “comos” e “ porquês”. Devemos construir desconstruindo e não o inverso, destruir para construir. É na troca, no compartilhamento  e, sobretudo, na participação dos diversos sujeitos de cidadania que compõem as forças democráticas que podemos realizar a busca virtuosa de construção da hegemonia de um modo de existir e viver que implica em coexistir e conviver –  “saborosamente” – tendo como pilar de sustentabilidade o cuidado mútuo entre todas e todos e com a natureza, a partir dos territórios em que vamos levando a vida.

A hegemonia de um pensamento e modo de fazer radicalmente democrático precisa engajamento e determinação. Não bastam alianças partidárias, pois mais necessárias que sejam.  A participação ativa desde é que pode fazer a diferença. Por isto é indispensável. Para ter impacto precisa contar com uma tarefa prioritária de informação e comunicação entre pares,  onde cada qual tem sua parte a fazer. Não é e nem será a propaganda eleitoral que irá enfrentar a avassaladora difusão de fakenews pelos propagadores do ódio e do autoritarismo, através de disparos nas plataformas das redes digitais.  Tem que vir do interior de organizações e movimentos de sujeitos coletivos, das raízes profundas das comunidades em que vivemos e das trocas dos mais diferentes saberes de viver, em círculos cada vez mais alargados e interligados. Mas precisamos considerar prioritários nos conectar  com outras e outros, se estendendo como uma poderosa onda que cresce agregando. Claro que é difícil. Ou alguém acha que fazer prevalecer a democracia como método e processo, a mais intensa possível, seja apenas manter o rito elementar de eleições periódicas? Isto tem que ser feito, mas muito, muitíssimo mais é necessário da ação cidadã para tornar a democracia um processo transformador contínuo ancorado no reconhecimento e ampliação de direitos iguais ecossociais na diversidade, afastando a ameaça autoritária.  Afinal, a primeira vontade se expressa no nós podemos porque somos cidadanias ativas! Sim, nós podemos!

Estrategicamente, construir hegemonia é também uma tarefa para dentro, entre nós mesmos, nos nossos coletivos. Isto ao mesmo tempo que nos engajamos numa disputa com outras visões, especialmente as antidemocráticas, as negadores até de direitos iguais os mais elementares como os civis e políticos, na conjuntura em que vivemos. O negar a legitimidade de todas e todos serem parte de um mesmo território, sem distinção,  e a serem titulares iguais é o melhor indicador de “estado da democracia e da cidadania”. Para a tarefa ampla de disputa de hegemonia de um pensamento ecossocial democrático transformadora precisamos reconhecer a centralidade da “tarefa cultural e civilizatória” que a comunicação com sentido democrático pode fazer.  Bota desafio nisto! Não esqueçamos que temos nossos comunicadores identificados com cidadania e democracia e assim vamos acreditar que o aparentemente impossível sempre pode ser tornar possível, agindo com determinação.

 

 

5 comentários:

  1. Muito bom. Parabéns Polaco

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  2. Precisamos ampliar esta voz, mobilizar e trazer para a luta os que ainda não se posicionaram, chegar aos interiores e à base, a força virá destes! Sim, nós podemos é um grito muito necessário. Obrigada por este espaço, por trazer suas reflexões.

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  3. Bravo 👏 Cándido! Puedes por favor incorporarme a tu sitio web? Gracias. Te cuento que desde el 19/9/2021 organizamos un programa inspirado por Paulo Freire en CEMUS (www.cemus.uu.se), adoptando la modalidad de Café com Paulo Freire en Uppsala. Reiniciamos actividades el 1 Setiembre, enfocados en el tema de salud mental. Si te parece, podemos intercambiar análisis de coyuntura, en este caso desde Suecia, donde la extrema derecha (SD) amenaza con ser parte del próximo gobierno, al igual que en Italia. Tenemos elecciones en Setiembre. Abrazo. Azril

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  4. Uma infinitude de categorias básicas para análise de conjuntura atual - tempos de campanhas eleitorais periódicas - a disputa de hegemonia na correlação de forças das classes sociais. Achei muito oportuna e vital a advertência: "Devemos construir desconstruindo e não o inverso, destruir para construir." Assim, você adverte que é preciso criar e elevar a consciência coletiva desta luta dos mais amplos e diversos sujeitos de cidadania. Parabéns, Cândido. Fico na espera da próxima análise de conjuntura.

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