Com determinação, mas muita dificuldade, a esperança
democrática venceu a ameaça fascista aberta. Apesar da vitória política
estratégica, sabemos que o fascismo demonstrou força e sustentação no seio da
sociedade civil. A vitória foi eleitoral, mas a luta vai continuar
especialmente em termos ideológicos e culturais de visões, princípios e valores.
A presença de um ideário mobilizador e de propostas fascistas define um modo de
ver e agir que vai estar entre nós, em
nosso cotidiano e nos espaços que circulamos. A reconstrução democrática que
apontamos com o voto tem desafios, tensões e trapaças pelo caminho que nem
temos condições de dimensionar neste momento. Não podemos deixar tal tarefa ser
conduzida somente pelo poder estatal, pois ele é expressão da própria fissura,
na medida em que deve ser um governo voltado para toda a cidadania. A hora das
cidadanias ativas chegou e não vai dar para poupar forças em todas as frentes.
Além do ideário fascista e forças que o sustentam na
sociedade, precisamos ter presente uma outra grande ameaça, mais de ordem
estrutural, representada pela “ditadura do mercado”. Sim, é mesmo de ditadura capitalista
que se trata! E ela já demonstrou o seu
poder diante de uma simples fala de Lula, em Brasília. De um modo claro,
simples e de grande empatia de alguém que se fez o que é em memoráveis lutas
por direitos iguais e, em nome deles, engajado do lado dos mais fracos, Lula
disse simplesmente que não pode ser admissível fazer políticas públicas somente
tendo a lei férrea de respeito a regras de teto de gastos governamentais
determinadas em lei, tendo o mercado financeiro como referência, sem uma
equivalente lei que estabeleça prioridade absoluta do governo no combate à fome
e miséria, que afetam milhões de
brasileiras e brasileiros. O “mercado”, através de seus operadores visíveis
reagiu no ato, provocando queda da bolsa e desvalorização de nossa moeda. Este
é o começo, apenas!
Isto diz muito das contradições presentes para tornar a democracia uma possibilidade
real de acesso a direitos e de uma sociedade brasileira ao menos desigual e
destrutiva. Trata-se do poder real dos controladores das grandes corporações
econômicas e financeiras globalizadas, que nos estão levando à esta situação de
bem limitadas possibilidades de reconstrução. Aliás, basta olhar pelo mundo
para perceber as grandes responsabilidades deste capitalismo financeiro
neoliberal na emergência de governos de extrema direita por toda parte, em
versões remodeladas de fascismo. Mas, sabemos, se trata de um pequeníssimo
grupo com poder de veto acima de democracias e instituições, que não se importa com a “saúde e bem estar dos povos e do
planeta”, pois seu único e exclusivo valor e critério é a liberdade de acumular
capitais sem limites. Aí temos os tais 1% com poder absoluto, com poder real de
veto sobre sociedades e governos, não importando a catástrofe a que estão
levando o planeta e a humanidade inteira.
Não adianta tapar o sol com a peneira, esta é a realidade nua
e crua. O melhor é encarar os seus desafios do que fugir dela. Aqui estamos
falando de duas ordens e grandezas de problemas a enfrentar democraticamente e
realizar conquistas possíveis. Não podemos abandonar o horizonte estratégico,
de longo prazo, de implantar democracia ecossocial transformadora, de bem viver
para todas e todos, na igualdade cidadã com diversidade, no maior respeito à
integridade da natureza que nos dá a vida, com cuidado, convivência e
compartilhamento. Mas o longo prazo se faz abrindo caminhos desde aqui e agora,
de lutas que se fazem desde o cotidiano por um viver mais saboroso de viver.
Assim, antes de tudo, precisamos fortalecer o imaginário
mobilizador que demonstramos com a eleição e a vitória. Sim, somos hoje uma
frente ampla e diversa, mas temos os nossos pilares no chão da sociedade. Basta
entender a cartografia da cidadania desenhada pelo voto: a maioria pobre e
excluída demonstrou força a partir de seus territórios e periferias. Um tal
começo já nos dá mais certeza do caminho, sem as bases pobres mobilizadas e
exercendo a sua cidadania é a própria democracia que não tem sentido vivo e
transformador. As forças do mercado e do fascismo só estão à espreita de nossos vacilos para
entrar em cena com as suas propostas concentradoras de riqueza e destruidoras
dos bens comuns para o viver juntos. Somos nós que devemos, como cidadania,
demonstrar força e determinação na busca de mais democracia viva para que o
Governo Lula possa ousar nas políticas emergentes necessárias. Podemos discutir e agir para que tais
políticas sejam virtuosas em transformações das causas e capazes de afirmar
direitos. Não poderemos sonhar mais alto no momento se para uma grande parte de
nossos conterrâneos o sonho é um simples prato cheio de boa comida no dia a dia
e ter um teto para o direito de se sentir bem em sua casa, comunidade,
território, ter trabalho e renda, saúde e educação, sem medo de sua escolhas de
ser morto por ser pobre, preto, indígena, mulher e por suas preferências
religiosos ou sexuais. Nossa revolução democrática pode ser tão simples e
radical ao mesmo tempo, recomeçando aí e arrancado daí o sentido maior para
enfrentar o que é necessário nesta conjuntura. De um lado, a destruição e os
retrocessos provocados pelo governo fascista derrotado, com a sua ameaça ainda
pairando em todas partes. De outro, mas igualmente estratégico, demonstrando o
poder regulador do mercado que cabe ao Estado fazer pelo mandato que lhe
delegamos. Aí o embate é ordem estatal, dos três poderes e dos diferentes
níveis, até os territórios em que vivemos. Sabemos que o “senhor mercado” se
sente senhor acima de tudo e capaz de sobreviver a governos, desde que o estrutural de suas
fontes não tenha a lógica alterada fundamentalmente, mesmo sendo obrigado a
condicionalidades regulatórias e, sobretudo, contribuir muito mais para o
coletivo com impostos sobre seus lucros e riqueza acumulada. Isto podemos
querer e sonhar que desta vez o Governo Lula terá que liderar as propostas e obter
conquistas, sob risco de nem podermos almejar dias mais justos para o conjunto
da cidadania deste país.
Esta parada o Governo Lula poderá enfrentar com sucesso se
nós tomarmos tal tarefa imediata como nossa também, das cidadanias ativas.
Afinal, não podemos conviver com o “terraplanismo” dos especialistas do mercado
quando enfrentamos com uma vitória o “terraplanismo” ambiental e da pandemia do
inominável, como bem define tal desafio o Paulo Klain.[i]
Enfim, o modo de democracias conseguirem serem efetivas reside na disputa
incansável por direitos e não na espera de soluções milagrosas do Estado, pois
estas não existem.
Candido, a energia popular que mostrou sua força durante a pandemia tem de ser estimulada a participar de maneira efetiva nas tarefas de reconstrução do tecido social. Isso necessita de um trabalho de formação política que qualifique cada vez mais essa contribuição e agilize os canais de participação da sociedade no ato de governar. É um enorme desafio que temos de enfrentar. O caminho é feito ao caminhar e o aprendizado dessa tarefa acontecerá à medida em que buscarmos executá-la. Seus textos nos ajudam nessa jornada
ResponderExcluirMuito bom o texto. Além de uma análise muito bem conduzida e clara, Cândido nos convoca a ajudar a construir a democracia que o processo eleitoral apontou ser desejada por mais da metade dos brasileiros e brasileiras que compareceram às urnas com vontade e vencendo todos os constrangimentos impingidos por esse governo irresponsável.
ResponderExcluirComo afirma Cândido, não existe receita pronta. Para que as instituições se fortaleçam e um projeto político que favoreça os mais pobres, mas também considere a população brasileira, na sua totalidade, se implemente, não podemos perder de vista o direito e o dever de participação. Participação organizada, mobilização permanente, respaldo para a construção de uma sociedade menos desigual, apesar de sabermos das resistências que Lula enfrentará com o Congresso que foi eleito.
Excelente blog. Concordo que a possibilidade de uma reconstrução democrática e de retomada de polítcas de realização de direitos e redução de desigualdades se assenta na capcidade mobilizar os excluídos.
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