O Lula, a quem o voto da maioria delegou o poder presidencial
para liderar a definição de um rumo capaz de renovar nossa democracia ameaçada,
está se revelando um estadista sob medida para os desafios brasileiros,
regionais e planetários. Ainda não empossado, já vem demonstrando aqui e fora
do Brasil a sua estatura de liderança política renovada e determinada, após ter
passando pelo que passou. O acolhimento e reconhecimento mundial que recebeu na
COP 27, no Egito, devolve um lugar estratégico para o Brasil na busca e
construção de novos paradigmas de viver com cuidado, convivência e compartilhamento
entre todos os povos do planeta. Esta é,
também, uma resposta simbólica para dentro do Brasil, oportuna e forte em sua
dimensão política, para desestimular os focos de militantes fascistas pedindo
intervenção militar.
“Cuidar de gente e da natureza” sintetiza um grande desafio
emergente e inadiável para a revitalização da democracia do Brasil, nesta
encruzilhada histórica. É de saudar esta nova maneira de Lula definir o mandato
que lhe outorgamos. Mas, para valer mesmo e conseguirmos desbravar o máximo
possível de um caminho democrático virtuoso de transformações, será exigido
muito ativismo e capacidade de impacto da diversidade de identidades, vozes e
organizações de cidadanias nos quatro anos pela frente. Lula institucionalmente
depende da correlação de forças políticas no interior do governo que vai comandar
e da relação com os outros poderes da República. Cabe a nós, cidadanias ativas,
disputar o que é “cuidar de gente e da natureza” no seio da sociedade civil
como imaginário mobilizador e agregador de forças democráticas de participação
e pressão legítima sobre o Estado, demandando respostas dos poderes
instituídos. Afinal, somos a cidadania brasileira que deu o voto à coalizão
democrática vitoriosa em torno a Lula, mas não abdicamos de nosso poder
instituinte e constituinte originário. Lula poderá fazer mais se nós mesmos conseguirmos
fazer mais.
Como contribuição para a tarefa conjunta que temos como
cidadania, gostaria de enfatizar alguns pontos essenciais para o grande desafio
que nos damos para este novo momento, que nos obriga a agir melhor e com determinação,
sem esperar acontecer. Temos muita prática acumulada nos mais diversos
territórios e situações de cidadania sobre “cuidar de gente e da natureza”,
brotando das grandes periferias urbanas e rurais. É um patrimônio cultural,
político, econômico e técnico em grande parte ainda invisibilizado e ignorado
pelas classes dominantes e pelos que circulam nas esferas de poder no Brasil:
os e as com mandato, o grande contingente de funcionários públicos de carreira
e os assessores, nas três esferas do poder e nos três níveis da federação.
Aliás, os que circulam por lá, não importa as opções políticas e partidárias
que carregam, tendem a se achar legitimamente designados para fazer valer seus
pontos de vista em nome da causa comum. Algo que, como cidadania, temos toda
legitimidade para contestar sempre, seja por nos opormos ou divergirmos deles ou, ainda, por que não
lhes concedemos o dom da verdade.
O que gostaria de chamar a atenção é para o verdadeiro
pipocar de experiências virtuosas de iniciativa local, de movimentos, redes e
fóruns sociais de cidadanias, apesar das excludentes e destruidoras relações,
processos e estruturas sociais dominantes em nosso país, seja no campo como nas
cidades. São poderosas sementes de resistência e demanda de direitos negados,
contra exclusão, pobreza e fome, violência, discriminações de todos os tipos,
invasão e destruição ecológica do território compartido e, apesar de tudo, de
muita vida construída em base a comuns compartilhados. Este patrimônio já vem
sento cartografado e sistematizado com as comunidades locais em parceria com
organizações e movimentos com maior presença na sociedade civil brasileira.
Neste processo são são valorizados potentes casos de identidade e sentido de viver em
coletividade mostrando modos de bem viver, apesar das adversidades dominantes.
Este é o sólido fundamento para se inspirar a proposição de políticas de
“cuidar das pessoas e da natureza”.
O que estou propondo é uma espécie de estratégia combinada de
ação para a cidadania fazer valer o mote síntese e mobilizador proposto por Lula
para o seu governo, na verdade, nosso governo. Nas análises e reflexões acabei
elegendo o cuidado mútuo, a convivência e o compartilhamento como princípios
estruturantes para se agregar este enorme patrimônio local e coletivo de como
fazer um outro mundo desde onde estamos, fazendo um Brasil que nós mesmos
precisamos e o próprio mundo precisa. E o venho concebendo e definindo – na
falta de melhor definição – como perspectiva democrática de justiça social
ecossocial transformadora, uma espécie de novo paradigma. Os economistas não podem partir de suas
“falsas” verdades de viés determinista mercantil e capitalista, afirmando que
não há alternativas. Os ativistas precisam demonstrar na esfera pública civil e
conquistar corações e mentes com uma hegemonia de princípios e valores que
fazem sentido em ser um mesmo povo em nossa diversidade, nos cuidado mutuamente e cuidando da natureza. Por isto, julgo o
patrimônio de resistências a ser
trabalhado profundamente como modos de
vida que tem potências a serem vistas e empoderadas pelas políticas públicas,
transformando democraticamente o país em um viés que considerada a diversidade
essencial e não excessão.
Uma concepção ecossocial do viver nos lembra simples e claramente
que os mesmos processos que exploram, dominam e violam os direitos das pessoas
são estruturalmente os mesmos que conquistam, colonizam e destroem a
integridade do grande bem comum à vida de todos, a natureza. Defino isto como
complexo de lógicas e processos de injustiça ecossocial que estão nos levando a
catástrofes planetárias, como a emergente mudança climática.
Ou seja, fazer justiça ecossocial é ter no centro o cuidado
das pessoas ao mesmo tempo em que se cuida a natureza. Isto pode ser uma
espécie de revolução, pois não dá para fazer justiça social baseada no
extrativismo mineral, florestal e agrícola, com uso ilimitado de água. Será que
o “nosso governo” está disposto a tal desafio? Terá força diante dos lobbies
das bancadas a serviço das grandes corporações? Será que o Governo Lula terá
vontade e determinação para começar tachando pesadamente estes setores
destrutivos da natureza em nome do cuidado? Os compromissos públicos atuais de
Lula animam, a experiência governamental passada nem tanto. Pior ainda são os
desafios da dupla face do autoritarismo já claros, pois estão na praça pública: o
fascismo e a “ditadura do mercado” combinados, acima de qualquer regulação pública e
democrática.
Talvez, mais que o Governo Lula, somos nós mesmo, cidadanias
diversas, que devemos exercer o poder inigualável que é criar movimentos
irresistíveis para “cuidar de pessoas e da natureza”, contra o fascismo e contra o mercado
privatizado. Por sinal, nunca é demais lembrar que mercado e moeda são bens
comuns e como tais devem ser regulados pelo Estado, não por especuladores a serviço do
capital financeiro globalizado dos 1%. Também, sempre é fundamental destacar
que ao cuidar as pessoas estamos fortalecendo o cuidado que elas mesmas já
praticam em seus territórios de cidadania como bem demonstrado tanto pelos povos
originários e tradicionais nas florestas, como pela sofrida população das grandes periferias
urbanas em defesa de seus territórios compartilhados e modos solidários de se
organizar para viver diante da cidade do asfalto que a exclui.
Já temos uma vitória a celebar nesta direção: o sonho e a esperança estão de volta e nos apontam um horizonte possível de justiça ecossocial e bem viver.
CÂNDIDO, SUAS REFLEXÕES ESTÃO ME SERVINDO DE REFERENCIA! A QUESTÃO DA DISPUTA DE HEGEMONIA NA SOCIEDADE É CENTRAL! MAS E NO CURTO PRAZO, ATÉ A POSSE? UMA PROVOCAÇÃO PARA ESTIMULÁ-LO! ABRAÇO
ResponderExcluirEste artigo está muito bom, Cândido! Um projeto que aponte para a justiça ecossocial e o bem viver é tudo o que precisamos construir. Em discussões no Café com Paulo Freire, tem surgido a necessidade desse debate e compreensão do que é "ser floresta"? Incorporar a natureza perdida? Como ver isso, sentir isso? Queremos saber mais, Cândido!
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