sábado, 25 de janeiro de 2025

AINDA DÁ PARA TRANSFORMAR O PODER E A MÁQUINA DESTRUIDORA DO CAPITALISMO?

 Sinto-me num beco estreito, sem saída a vista. Que fazer diante de um quadro assim, tão ameaçador? O ano começou e o primeiro mês está no fim. Tudo parece muito sombrio. Onde se escondem os sinais de que nada é definitivo? Tem que ter uma saída, por mais estreita que seja. Afinal, a história passada ensina que nada é definitivo, sempre existem brechas e alternativas. Onde elas se escondem, na espreita para aparecer? Que caminho é mais promissor? Vivemos no Brasil, apenas uma parte do mundo, mas tudo em sendo afetado pelo mundo que nos rodeia e condiciona. Quanto?  O Brasil é inspirador? Está num caminho virtuoso? Acho que continuamos num beco sem saída visível, com uma democracia encurralada, como estou cansado de dizer. Mas tem alternativas viáveis? Não as vejo no horizonte político imediato e já  entramos no terceiro ano do governo Lula III.

Estamos mergulhados num período da história humana onde o caos irrompe em múltiplas formas e, de algum modo, no mundo todo. O que vemos é que a força destrutiva do caos pode levar à implosão do próprio planeta. A combinação de disputas geopolíticas, com multiplicação de guerras e genocídios de povos inteiros,   ameaças de uso bombas atômicas, extrativismos sem limites de recursos naturais e destruições de sistemas vivos inteiros, emissões da gazes de efeito estufa, desigualdades sociais, exclusões sociais e fome, tudo isto aponta para uma espécie de poderoso câncer do capitalismo liberal globalizado.  O caos é o vivido no aqui e agora. As suas causas são tratadas de forma dissimulada ou, até,  negadas. Estamos diante de um sorrateiro processo de enquadramento da nossa visão cidadã e tomada de consciência sobre o drama trágico das grandes maiorias excluídas. Assim, os processos estruturantes de modos de pensar e agir tem como forças propulsoras o discurso de grupos dominantes, com auxílio da fé,  da meritocracia e do ódio combinados.

Hoje a busca e a dúvida, que exigem mais buscas, parecem algo ultrapassado. Basta sintonizar e entrar na onda das redes digitais e dos tais influenciadores, os novos dogmáticos da fé dominante. Uma espécie de charlatões contemporâneos.  Até quando? Ler meia página parece uma tarefa complicada demais e nada útil. Ler um livro então é coisa para velho. Nem estou me referindo na busca do que ler, mas simplesmente ler o que alguém escreveu e quis dizer para a gente, não necessariamente para concordarmos mas, sim, para pensarmos. Afinal, não existe nada mais humano que a sintonia entre pensamentos, concordando ou não, mas pensando. O bem comum maior da humanidade é o vivido e pensado de forma compartilhada. Mas hoje, o único critério valorado é a individualidade, cada um em busca de seus interesses, mesmo sabendo que poucos, muito poucos, chegam lá. Somos alguns bilhões no planeta,... mas poucos vencem. Esta lei da selva é que nos rege. Provavelmente a inteligência artificial virá como força destruidora do cuidar, conviver e compartilhar entre todas e todos, base da constituição de comunidades humanas.[i]

Nem sei bem porque fui levado a fazer esta reflexão na minha primeira postagem de 2025. Talvez – afirmo isto com muitas dúvidas – que no fundo creio no poder da humanidade como um coletivo tendo  o bem comum no centro.  Mas não sei quanta gente compartilha tal visão. Só tenho uma certeza: a barbárie até agora fez horrores, mas  nunca venceu a humanidade comum que nos une até aqui.

Bem, minhas análises deveriam ser minimamente enganchadas na busca de sentidos e rumos, a denominação que dei ao meu blog. Talvez a tragédia do momento histórico  me leve a buscar razões mais profundas do  viver num momento de tantas tendências diversas, descontroladas e ameaçadoras.De toda forma, afirmo e reafirmo que não perdi a esperança na humanidade. Mas que estamos num momento extremamente difícil, não tem como negar.

O Trump tomou posse do país imperial em crise profunda crise, há poucos dias. Mas com sua caneta começou devastador. Está no mando do maior arsenal militar mundial e mais de 800 bases espalhadas pelo mundo.  E, pior, se auto designa xerife do mundo capitalista, onde tudo deve ser ao seu gosto ... em nome da MAGA – Make America Great Again. Ou seja, de acumulação de riqueza às custas do mundo... mesmo que seja só para os 1%.

A única resposta possível à pergunta do título é, para mim, que sempre dá para mudar, pois nós humanos sabemos “esperançar”. Mas pode ser a custo de muito sacrifício, com milhões de vida talvez. A esperança é a última que morre. E ainda não morremos, apesar de todos estarmos ameaçados. Acredito que dá para transformar o capitalismo e gestar as bases de uma civilização includente de todas e todos. Mais, dá ainda para  resgatar a  integridade da natureza com sua diversidade, buscando modos de convivência com os sistemas e formas de viver sustentáveis.

Na verdade, não era meu objetivo inicial tratar desta questão cabeluda. Meu objetivo  foi provocado pelo emocionante discurso de Lula com uma mensagem de luta lembrando o fatídico dia 8 de janeiro de 2023, na Praça dos Três Poderes, em Brasília. Sua defesa da democracia foi enfática e coerente. O problema é que os inimigos da democracia agem sorrateiramente e de modo sistemático. Novamente basta ver a sanha destrutiva com que Trump tomou conta do poder com a sua entourage, com um time determinado a mudar o mundo para os 1% que se consideram no direito de acumular sem limites. Acho que nem precisam de ditadura para isto, basta garantir que nada mude, ou que se aprofunde o que está no DNA do capitalismo globalizado e hiper financeirizado, sob hegemonia dos EUA, seu dólar e seus exércitos.

A verdade é que a democracia é antes de tudo um sonho, um projeto, um modo de pensar e viver em coletividade. Do poder imperial e das disputas geopolíticas que ele desencadeia nunca virá o que nem pode vir: um modo de viver que dê lugar a todos. Mas aí, diante da realidade de forças e disputas geopolíticas dominantes, existe lugar para mais democracia a que Lula nos convoca? Como? Temos força suficiente para não sermos tragados de fora para dentro e tendo poderosos interesses e forças excludentes entre nós mesmos, ao nosso lado? Sim, somos parte do BRICS – um bloco alternativo que ameaça o imperialismo eurocêntrico-americano. Mas é alternativo em que sentido? Afinal, as potências maiores que o compõem estão longe de ser democráticas. No grupo, nosso Brasil é uma voz democrática, sem dúvidas, mas e daí? O que isto significa em termos geopolíticos, onde  a lei da selva rege e domina?

Diante de tal quadro histórico, construir democracia é apostar na possibilidade de torná-la  minimamente virtuosa, ao menos internamente,  no espaço de autonomia que não ameace diretamente os poderes mundiais, com um avanço aqui e acolá, contando com a cumplicidade cidadã e seu reconhecimento. No entanto não é fácil. O fato é que as grandes transformações na história sempre ocorreram nas periferias ou nasceram nelas. O sistema dominante busca preservar seu poder de todas as formas e, muitas vezes na história, ele não dá importância ao que pode ocorre na periferia de seu domínio. Impérios sempre querem impedir que outros impérios surjam. Assim, desprezam as fundamentais mudanças periféricas. Mas elas aconteceram e podem acontecer sempre.

A questão mais grave que temos é o câncer que está entre nós e que tem enorme poder sobre a democracia que temos. Ela se disfarça como “mercado”, como se  fosse de todos e para todos, mas é uma poderosa lei imposta de fato, acima da Constituição democrática. Pior, funciona bem com ditaduras, mas se acomoda e define rumos nas democracias. Como nos libertar de tal câncer, a forma que os 1% sempre impõem? Expressam seus quereres e cobranças, podendo levar ao desastre total de economias submetidas a regulações democráticas que considerarem inadequadas ou que nem deveriam existir. Afinal, o “mercado” pratica o direito fundamental da liberdade somente para si. Pode tal absurdo ser afirmado como sendo um direito e prática de liberdade? Não só é afirmado como não aceita regulação democrática por atentar contra a liberdade... do mercado!

Na verdade, o desafio para cidadanias ativas – que por definição são contra mercados totalmente privatizados – é acumular forças políticas, já que não visamos acumular riquezas. E adquirir força política é saber comer pelas bordas. O mercado é berço de injustiças e desigualdades, é isto que constitui sua seiva vital. E é aí que precisamos atacar, mesmo que seja com vitórias parciais. Movimentos como o MST ou o MTST ou ainda os Povos Indígenas e Tradicionais, que confrontam direitos de propriedade acima da vida de gente, tem as maiores possibilidades, no imediato, pois estamos diante de vida ou exclusão e morte. Também os movimentos com agendas afirmativas de direitos, que afetam o patriarcalismo, racismo e desigualdades se somam no empoderamento da democracia através de lutas por dos direitos iguais na diversidade do que somos. Mas o fato é que todas as formas em defesa da vida contam. Não existiria mercado e acumulação sem gente que trabalha e é explorada. Portanto a força da luta contra a exploração é como atingir o cerne do mercado em busca da acumulação de riqueza, pois ele nada  mais é que trabalho humano extraído ao longo do tempo, na forma de relações mercantis entre capital e trabalho e, até, pelo roubo aberto e privatização dos comuns.

Mas a dominação, exploração e exclusão não acabam aí. A tarefa fundamental da democracia é permitir que as pessoas adquiram autonomia, poder sobre si mesmas, seus corpos, seus pensamentos, seus desejos. A liberdade democrática como direito tem como condição indispensável a autonomia,  poder escolher o modo como viver. E isto não vem depois, pois ou vem junto com o direito de participar que a democracia afirma ou nem tal direito se realiza plenamente. Como alguém pode participar se não é livre, não pode escolher, dar conta de seus desejos e vontades, ir e vir, poder pensar, ser respeitado pelo que é e quer ser? Tudo isto faz parte do viver democrático. Não há democracia substantiva só porque a gente pode votar! Democracia é um modo de vida, desde onde a gente vive. Cabe ao viver democrático trazer ao centro tudo o que é comum, bem comum. Esta é a base para minar o super presente mercado que nos individualiza e explora. A bandeira mais radical de transformação democrática é tornar comum o que é vivido como comum, mas privatizado. Mesmo ameaçados, o resgate dos bens comuns pode ser decisivos para uma democracia que vale a pena ser vivida e que se concretiza e cria  raízes profundas nos territórios que levamos a vida. Mas até agora, bens comuns, vividos e geridos como comuns, são muito poucos. Como cidadanias ativas deveríamos priorizá-los na estratégia de radicalização democrática. Os bens comuns são os resgatados e  geridos como comuns, mais do que as qualidades intrínsecas que eles tenham.  

Termino afirmando que somos propensos a pensar a democracia como uma institucionalidade e poder adquirido  pelo voto. Isto é sobretudo a coroa do bolo, não seu conteúdo fundamental. Democracia tem que ter profundas raízes locais para ser resiliente e virtuosa. Claro que precisamos de tudo mais. Hoje a maior ameaça às democracias nem são forças que assaltam o poder,  mas são as forças que contaminam nossos modo de ver, pensar e agir: as grandes redes digitais. Elas desterritorializam e despersonalizam. Nos fazem seguir influenciadores, como se rebanhos fossemos. Aliás, as redes são como uma espécie de propaganda de mercado que nos estimula a comprar e, sobretudo, consumir isto ao invés daquilo. Só que são propagandas de pensamentos e afetos... não de cuidado, convivência, compartilhamento. Mas de isolamento, de ódio até, que moldam nossos desejos e sonhos.

Existem sim ameaças globais, além de fundamentais desafios muito locais para construir democracias.O Trump chega ao poder cercado de um punhado de super ricos que se consideram os vitoriosos por suas virtudes de saber explorar e acumular. Entre eles, dois dos donos de plataformas digitais com capacidade de ditar o que o mundo precisa ver, pensar e desejar: o Musk e Zuckerberg, hoje os maiores “manipuladores da informação” que circula pelo mundo e que chega até nós. Eles estão na linha de frente do governo Trump. Farão ainda muitos estragos, sem dúvida! Mas sempre é possível confrontar tal onda de informação carregada manipulações e falsidades.

O que precisamos como cidadanias ativas comprometidas com a radicalidade democrática de direitos ecossociais na diversidade para todas e todos é construir nossos sistemas de informação democrática. Temos muitas experiências, mas falta a energia da articulação e capacidade de criar patrimônio informativo como potente coletivo, também ele alimentado pelo diversidade do que somos e dos múltiplos territórios em que levamos a vida.Falta também maior atenção do governo Lula para tal questão estratégica. Afinal, estamos diante do que nos informa, nos estimula a pensar, o que desejar e como agir. O espaço da informação e da cultura são o pão nosso de cada dia para ver e acreditar que é possível viver democraticamente. O filme “Ainda Estou Aqui” mostra como a história verdadeira pode ser resgatada com informação e cultura, cheia de emoções e motivações como qualidade coletiva.

 

 



 [i] “La idea del mercado como elemento fundamental de la sociedad há tenido una influencia muy grande que bajó a todos los estamentos  de la sociedad. Lentamente se creó um lenguaje en el cual los códigos de comunicación obligan al êxito del inidivualismo, del enriquecimiento, de uma serie de questiones que cambiaran profundamente el sentir de sociedade” . Roberto Savio, em entrevista para Norma Fernández.“Robereto Savio y la necesidad de ganar la batalla informativa a la derecha”.Other News, janeiro 2025.