Sinto-me num beco estreito, sem saída a vista. Que fazer diante de um quadro assim, tão ameaçador? O ano começou e o primeiro mês está no fim. Tudo parece muito sombrio. Onde se escondem os sinais de que nada é definitivo? Tem que ter uma saída, por mais estreita que seja. Afinal, a história passada ensina que nada é definitivo, sempre existem brechas e alternativas. Onde elas se escondem, na espreita para aparecer? Que caminho é mais promissor? Vivemos no Brasil, apenas uma parte do mundo, mas tudo em sendo afetado pelo mundo que nos rodeia e condiciona. Quanto? O Brasil é inspirador? Está num caminho virtuoso? Acho que continuamos num beco sem saída visível, com uma democracia encurralada, como estou cansado de dizer. Mas tem alternativas viáveis? Não as vejo no horizonte político imediato e já entramos no terceiro ano do governo Lula III.
Estamos mergulhados num período da história humana onde o
caos irrompe em múltiplas formas e, de algum modo, no mundo todo. O que vemos é
que a força destrutiva do caos pode levar à implosão do próprio planeta. A
combinação de disputas geopolíticas, com multiplicação de guerras e genocídios
de povos inteiros, ameaças de uso bombas atômicas, extrativismos
sem limites de recursos naturais e destruições de sistemas vivos inteiros,
emissões da gazes de efeito estufa, desigualdades sociais, exclusões sociais e
fome, tudo isto aponta para uma espécie de
poderoso câncer do capitalismo liberal globalizado. O caos é o vivido no aqui e agora. As suas causas
são tratadas de forma dissimulada ou, até, negadas. Estamos diante de um sorrateiro
processo de enquadramento da nossa visão cidadã e tomada de consciência sobre o
drama trágico das grandes maiorias excluídas. Assim, os processos estruturantes
de modos de pensar e agir tem como forças propulsoras o discurso de grupos dominantes,
com auxílio da fé, da meritocracia e do
ódio combinados.
Hoje a busca e a dúvida, que exigem mais buscas, parecem algo
ultrapassado. Basta sintonizar e entrar na onda das redes digitais e dos tais
influenciadores, os novos dogmáticos da fé dominante. Uma espécie de charlatões
contemporâneos. Até quando? Ler meia
página parece uma tarefa complicada demais e nada útil. Ler um livro então é
coisa para velho. Nem estou me referindo na busca do que ler, mas simplesmente
ler o que alguém escreveu e quis dizer para a gente, não necessariamente para concordarmos
mas, sim, para pensarmos. Afinal, não existe nada mais humano que a sintonia
entre pensamentos, concordando ou não, mas pensando. O bem comum maior da
humanidade é o vivido e pensado de forma compartilhada. Mas hoje, o único
critério valorado é a individualidade, cada um em busca de seus interesses,
mesmo sabendo que poucos, muito poucos, chegam lá. Somos alguns bilhões no
planeta,... mas poucos vencem. Esta lei da selva é que nos rege. Provavelmente
a inteligência artificial virá como força destruidora do cuidar, conviver e
compartilhar entre todas e todos, base da constituição de comunidades humanas.[i]
Nem sei bem porque fui levado a fazer esta reflexão na minha primeira
postagem de 2025. Talvez – afirmo isto com muitas dúvidas – que no fundo creio
no poder da humanidade como um coletivo tendo o bem comum no centro. Mas não sei quanta gente compartilha tal
visão. Só tenho uma certeza: a barbárie até agora fez horrores, mas nunca venceu a humanidade comum que nos une
até aqui.
Bem, minhas análises deveriam ser minimamente enganchadas na
busca de sentidos e rumos, a denominação que dei ao meu blog. Talvez a tragédia
do momento histórico me leve a buscar
razões mais profundas do viver num
momento de tantas tendências diversas, descontroladas e ameaçadoras.De toda
forma, afirmo e reafirmo que não perdi a esperança na humanidade. Mas que
estamos num momento extremamente difícil, não tem como negar.
O Trump tomou posse do país imperial em crise profunda crise,
há poucos dias. Mas com sua caneta começou devastador. Está no mando do maior arsenal
militar mundial e mais de 800 bases espalhadas pelo mundo. E, pior, se auto designa xerife do mundo
capitalista, onde tudo deve ser ao seu gosto ... em nome da MAGA – Make America Great Again. Ou seja, de
acumulação de riqueza às custas do mundo... mesmo que seja só para os 1%.
A única resposta possível à pergunta do título é, para mim,
que sempre dá para mudar, pois nós humanos sabemos “esperançar”. Mas pode ser a
custo de muito sacrifício, com milhões de vida talvez. A esperança é a última
que morre. E ainda não morremos, apesar de todos estarmos ameaçados. Acredito
que dá para transformar o capitalismo e gestar as bases de uma civilização
includente de todas e todos. Mais, dá ainda para resgatar a integridade da natureza com sua diversidade,
buscando modos de convivência com os sistemas e formas de viver sustentáveis.
Na verdade, não era meu objetivo inicial tratar desta questão
cabeluda. Meu objetivo foi provocado
pelo emocionante discurso de Lula com uma mensagem de luta lembrando o fatídico
dia 8 de janeiro de 2023, na Praça dos Três Poderes, em Brasília. Sua defesa da
democracia foi enfática e coerente. O problema é que os inimigos da democracia
agem sorrateiramente e de modo sistemático. Novamente basta ver a sanha destrutiva
com que Trump tomou conta do poder com a sua entourage, com um time determinado a mudar o mundo para os 1% que
se consideram no direito de acumular sem limites. Acho que nem precisam de
ditadura para isto, basta garantir que nada mude, ou que se aprofunde o que
está no DNA do capitalismo globalizado e hiper financeirizado, sob hegemonia
dos EUA, seu dólar e seus exércitos.
A verdade é que a democracia é antes de tudo um sonho, um
projeto, um modo de pensar e viver em coletividade. Do poder imperial e das
disputas geopolíticas que ele desencadeia nunca virá o que nem pode vir: um
modo de viver que dê lugar a todos. Mas aí, diante da realidade de forças e
disputas geopolíticas dominantes, existe lugar para mais democracia a que Lula
nos convoca? Como? Temos força suficiente para não sermos tragados de fora para
dentro e tendo poderosos interesses e forças excludentes entre nós mesmos, ao
nosso lado? Sim, somos parte do BRICS – um bloco alternativo que ameaça o
imperialismo eurocêntrico-americano. Mas é alternativo em que sentido? Afinal,
as potências maiores que o compõem estão longe de ser democráticas. No grupo,
nosso Brasil é uma voz democrática, sem dúvidas, mas e daí? O que isto
significa em termos geopolíticos, onde a
lei da selva rege e domina?
Diante de tal quadro histórico, construir democracia é
apostar na possibilidade de torná-la
minimamente virtuosa, ao menos internamente, no espaço de autonomia que não ameace
diretamente os poderes mundiais, com um avanço aqui e acolá, contando com a
cumplicidade cidadã e seu reconhecimento. No entanto não é fácil. O fato é que
as grandes transformações na história sempre ocorreram nas periferias ou
nasceram nelas. O sistema dominante busca preservar seu poder de todas as
formas e, muitas vezes na história, ele não dá importância ao que pode ocorre
na periferia de seu domínio. Impérios sempre querem impedir que outros impérios
surjam. Assim, desprezam as fundamentais mudanças periféricas. Mas elas
aconteceram e podem acontecer sempre.
A questão mais grave que temos é o câncer que está entre nós
e que tem enorme poder sobre a democracia que temos. Ela se disfarça como
“mercado”, como se fosse de todos e para
todos, mas é uma poderosa lei imposta de fato, acima da Constituição
democrática. Pior, funciona bem com ditaduras, mas se acomoda e define rumos
nas democracias. Como nos libertar de tal câncer, a forma que os 1% sempre
impõem? Expressam seus quereres e cobranças, podendo levar ao desastre total de
economias submetidas a regulações democráticas que considerarem inadequadas ou que
nem deveriam existir. Afinal, o “mercado” pratica o direito fundamental da
liberdade somente para si. Pode tal absurdo ser afirmado como sendo um direito
e prática de liberdade? Não só é afirmado como não aceita regulação democrática
por atentar contra a liberdade... do mercado!
Na verdade, o desafio para cidadanias ativas – que por
definição são contra mercados totalmente privatizados – é acumular forças
políticas, já que não visamos acumular riquezas. E adquirir força política é
saber comer pelas bordas. O mercado é berço de injustiças e desigualdades, é
isto que constitui sua seiva vital. E é aí que precisamos atacar, mesmo que
seja com vitórias parciais. Movimentos como o MST ou o MTST ou ainda os Povos
Indígenas e Tradicionais, que confrontam direitos de propriedade acima da vida
de gente, tem as maiores possibilidades, no imediato, pois estamos diante de
vida ou exclusão e morte. Também os movimentos com agendas afirmativas de
direitos, que afetam o patriarcalismo, racismo e desigualdades se somam no
empoderamento da democracia através de lutas por dos direitos iguais na
diversidade do que somos. Mas o fato é que todas as formas em defesa da vida
contam. Não existiria mercado e acumulação sem gente que trabalha e é
explorada. Portanto a força da luta contra a exploração é como atingir o cerne
do mercado em busca da acumulação de riqueza, pois ele nada mais é que trabalho humano extraído ao longo
do tempo, na forma de relações mercantis entre capital e trabalho e, até, pelo
roubo aberto e privatização dos comuns.
Mas a dominação, exploração e exclusão não acabam aí. A
tarefa fundamental da democracia é permitir que as pessoas adquiram autonomia,
poder sobre si mesmas, seus corpos, seus pensamentos, seus desejos. A liberdade
democrática como direito tem como condição indispensável a autonomia, poder
escolher o modo como viver. E isto não vem depois, pois ou vem junto com o
direito de participar que a democracia afirma ou nem tal direito se realiza
plenamente. Como alguém pode participar se não é livre, não pode escolher, dar
conta de seus desejos e vontades, ir e vir, poder pensar, ser respeitado pelo
que é e quer ser? Tudo isto faz parte do viver democrático. Não há democracia
substantiva só porque a gente pode votar! Democracia é um modo de vida, desde
onde a gente vive. Cabe ao viver democrático trazer ao centro tudo o que é
comum, bem comum. Esta é a base para minar o super presente mercado que nos
individualiza e explora. A bandeira mais radical de transformação democrática é
tornar comum o que é vivido como comum, mas privatizado. Mesmo ameaçados, o
resgate dos bens comuns pode ser decisivos para uma democracia que vale a pena
ser vivida e que se concretiza e cria raízes profundas nos territórios que levamos a
vida. Mas até agora, bens comuns, vividos e geridos como comuns, são muito poucos.
Como cidadanias ativas deveríamos priorizá-los na estratégia de radicalização
democrática. Os bens comuns são os resgatados e geridos como comuns, mais do que as qualidades
intrínsecas que eles tenham.
Termino afirmando que somos propensos a pensar a democracia
como uma institucionalidade e poder adquirido
pelo voto. Isto é sobretudo a coroa do bolo, não seu conteúdo
fundamental. Democracia tem que ter profundas raízes locais para ser resiliente
e virtuosa. Claro que precisamos de tudo mais. Hoje a maior ameaça às
democracias nem são forças que assaltam o poder, mas são as forças que contaminam nossos modo
de ver, pensar e agir: as grandes redes digitais. Elas desterritorializam e
despersonalizam. Nos fazem seguir influenciadores, como se rebanhos fossemos.
Aliás, as redes são como uma espécie de propaganda de mercado que nos estimula
a comprar e, sobretudo, consumir isto ao invés daquilo. Só que são propagandas
de pensamentos e afetos... não de cuidado, convivência, compartilhamento. Mas
de isolamento, de ódio até, que moldam nossos desejos e sonhos.
Existem sim ameaças globais, além de fundamentais desafios
muito locais para construir democracias.O Trump chega ao poder cercado de um
punhado de super ricos que se consideram os vitoriosos por suas virtudes de
saber explorar e acumular. Entre eles, dois dos donos de plataformas digitais com
capacidade de ditar o que o mundo precisa ver, pensar e desejar: o Musk e Zuckerberg,
hoje os maiores “manipuladores da informação” que circula pelo mundo e que
chega até nós. Eles estão na linha de frente do governo Trump. Farão ainda muitos
estragos, sem dúvida! Mas sempre é possível confrontar tal onda de informação
carregada manipulações e falsidades.
O que precisamos como cidadanias ativas comprometidas com a
radicalidade democrática de direitos ecossociais na diversidade para todas e
todos é construir nossos sistemas de informação democrática. Temos muitas
experiências, mas falta a energia da articulação e capacidade de criar
patrimônio informativo como potente coletivo, também ele alimentado pelo diversidade
do que somos e dos múltiplos territórios em que levamos a vida.Falta também
maior atenção do governo Lula para tal questão estratégica. Afinal, estamos
diante do que nos informa, nos estimula a pensar, o que desejar e como agir. O
espaço da informação e da cultura são o pão nosso de cada dia para ver e acreditar
que é possível viver democraticamente. O filme “Ainda Estou Aqui” mostra como a
história verdadeira pode ser resgatada com informação e cultura, cheia de
emoções e motivações como qualidade coletiva.
[i] “La idea del mercado como elemento fundamental de la sociedad há tenido una influencia muy grande que bajó a todos los estamentos de la sociedad. Lentamente se creó um lenguaje en el cual los códigos de comunicación obligan al êxito del inidivualismo, del enriquecimiento, de uma serie de questiones que cambiaran profundamente el sentir de sociedade” . Roberto Savio, em entrevista para Norma Fernández.“Robereto Savio y la necesidad de ganar la batalla informativa a la derecha”.Other News, janeiro 2025.