A institucionalidade democrática do
Brasil, sobretudo o STF, Procuradoria e Polícia Federal, pela primeira vez,
respondeu de maneira eficaz condenando o núcleo central dos que haviam armado o
golpe na transição de governo em 2023. Trata-se de uma ação sem precedentes em
nossa história política. Lembrando a auto-anistia que se concederam os
criminosos da ditadura militar de 1964-1985, estamos diante de uma demonstração
para nós mesmos e o mundo que democracias podem ser extremamente virtuosas
diante dos poderosos, civis e/ou militares, que se acham acima da lei. Isto é
um fato histórico a celebrar.
No entanto, não podemos baixar a
guarda, pois o problema político da extrema direita continua vivo entre nós, no
seio da sociedade civil brasileira, como um câncer destrutivo que pode levar à
morte a nossa democracia. Pior, ele tem laços fortes com algo que está presente
em muitos países, como se fosse uma pandemia política que se expandiu e
contaminou o mundo quase completamente.
Na falta de um imunizante
conhecido que fazer? As cidadanias ativas em disputa radical de princípios
éticos democráticos, valores e ideias virtuosas, com capacidade de
transformação de situações, são uma das únicas possibilidades que temos. Mas o mundo pode estar caminhando
para uma terceira guerra mundial catastrófica. Os que tem o dedão no gatilho que pode
disparar um imenso arsenal nuclear destrutivo do planeta como um todo estão fora
de nossas possibilidades como cidadanias e governos no grande Sul-Global. O
vergonhoso genocídio promovido por Israel sobre o povo palestino, com o suporte
incondicional dos EUA, mostra claramente que falta pouco para um desastre
planetário.
Nós estamos aqui, no Brasil, que
até no nome carregamos uma história de destruição, de desmatamentos, violência
e morte, como nos lembram os Povos Indígenas e os milhões descendentes dos
escravizados. Mas temos possibilidades, mesmo sendo limitadas, de fazer valer modos
mais virtuosos de viver, que garantam uma democracia de direitos iguais na
diversidade, de cuidado com nossa gente e com a
preservação do território que nos pode garantir condições de bem viver. Bem
ou mal, no tabuleiro mundial, sem arsenais ameaçadores, o Brasil hoje conta
como voz a ser ouvida.
Temos que ter consciência do nosso
tamanho e do que somos como povo e nação.
Estamos entre as maiores populações e gerimos um dos territórios maiores e dos mais biodiversos do Planeta Terra. Temos a chance
de fazer parte dos BRICS em busca de um mundo mais igualitário na diversidade. E
temos, gostemos ou não, um líder político como Lula de projeção mundial, que
pode ajudar na gigantesca tarefa de agir como cidadanias conscientes de seu
papel, tanto aqui como no mundo todo.
Mas sabemos que o câncer
destrutivo está ainda em nosso seio. Ele não foi condenado, menos ainda
ameaçado de ser extirpado. Está livre e usa da fé como liga forte, dando
unidade a seguidores. Pior é termos forças
policiais que parecem, em muitas ocasiões, até conviventes com as gangues do
crime. Derrotamos um de seus projetos destrutivos políticos recentes, a destruição
da democracia que conquistamos com suor e sangue. Os golpistas agiram em nome
de um Brasil para poucos, de imposição de uma ditadura e de negação de direitos
iguais básicos para viver e ser gente. Chegaram a propor abrir totalmente a porteira do crime,
para a boiada das milícias, traficantes e grileiros passar impunemente, como quizesem,
matando gente e outras formas de vida, desmatando, extraindo a riqueza dos
territórios e contaminando com mercúrio e agrotóxico os alimentos, os rios e o
ar que respiramos. No momento, condenar os golpistas é muito e, sem dúvida uma demonstração de democracia viva. Mas olhando o
amanhã, é ainda muito pouco, pois o câncer está vivo em nosso seio. Seus
líderes foram condenados exemplarmente. Mas seus seguidores e líderes
sorrateiros andam por aí. Sempre podem armar novos golpes.
Sabemos que temos uma
institucionalidade democrática a preservar. Mas ela é, a seu modo, insuficiente para nos dar uma
democracia transformadora das relações sociais e das precariedades de todos os
tipos existentes em nosso seio. Precisamos almejar mais bem viver para todas e
todos. Mas, para tornar tal sonho possível devmos lutar com determinação, com ativismo
transformador deste os territórios – bens comuns em que vivemos. Não é
aceitável que milhões ainda tenham que, a cada dia. viver sem saber se terão
comida para si mesmos e os seus entes queridos à noite. Não é admissível que
milhões de nós se sintam discriminados por sua cor de pele, por suas opções
sexuais, por seus desejos e sonhos.
Vamos focar direito no que estou
chamando de câncer no nosso seio. Não considero a prática do centrão no
Congresso como algo democrático nem tolerável. Sua primazia é o próprio bolso e
o privilégio do cargo, como um direito adquirido sobre os direitos de todos os
demais da coletividade. Isto não tem nada minimamente virtuoso. Sim, a
institucionalidade democrática existente produziu isto. Ou melhor, nós
produzimos isto como cidadanias com o voto e o direito de escolher. Lamentavelmente,
aceitamos ser enganados, roubados... talvez por uns trocados ou favores. Sem
dúvida, muitos precisam desesperadamente
de alguma ajuda. Mas vale a pena se vender
hoje e amanhã continuar a ter que viver a sina de se vender novamente?
Bem, eu sei que sou, em termos de
condições de vida, um privilegiado que teve oportunidades para estudar e depois
bons empregos. Nunca passei pela necessidade de er que me vender por alguns tostões para ir levando
a vida. Sei que tenho uma obrigação maior que muitos para ajudar a reverter
este quadro. O câncer maior que precisa
de terapia intensiva é a cura da exclusão social praticada contra milhões de
nossos conterrâneos. Este maldito câncer precisa ser extirpado, para ontem. Mas a direita viva e com seu modo sorrateiro
de ser e agir não deixa que algo mude e afete os seus “direitos conquistados”,
Esta é a verdade afirmada e reafirmada, como se normal fosse ser assim. Mas também é verdade que a terapia ou vem da
arena política ou nunca virá.
É nestes termos que caracterizo o
câncer da direita presente em nosso cotidiano, sordidamente implantada e
alimentando o favor como forma de manter cidadanias subordinadas aos seus
interesses, nesse nosso imenso país das diversidades sem fim. É esta espécie de
políticos que acaba sustentando os golpistas, sejam quais forem, desde que seus
interesses mais paroquiais sejam atendidos, acima de qualquer interesse público
e democrático. A direita engravatada nas esferas do poder, sem ética e sem compromisso
político com o bem comum, encurrala a democracia e encurrala a
institucionalidade.
Mas, no final da conta, temos que
reconhecer que a direita do Centrão é legitimidade pela institucionalidade que
temos. Ele não representa exatamente a cidadania sofrida. Ela se vale de tal
cidadania pelas regras de nossa institucionalidade, onde o favor que subordina
está acima do direito. Parece que isto tem a ver somente com a falta de
consciência cidadã. Pessoalmente considero muito mais complexa a questão. Temos
estados federados, extremamente diversos em todos os aspectos, a começar por tamanho
da população total, a cidadania
constituinte. Cada Estado Federado, independentemente do tamanho de sua
cidadania, tem três senadores, seja o
menor dos Estados ou o maior. Donde vem a distorção na composição do Senado?
Será que não precisamos de uma profunda reforma democrática da política
institucional de representação, dando maior equilíbrio na representação final?
O presidente é eleito pelo voto igual em valor, algo mais democrático
impossível sem dúvida. Mas deputados e senadores não, pois dependem do
território em foram votados. Temos um mínimo de 8 deputados para os
menores Estados e um máximo para os aqueles
maiores. A desigualdade é legitimida pela institucionalidade. Será que não
podemos inventar algo mais virtuoso para um equilíbrio de cidadania instituinte
com o seu voto?
Sei que estou fazendo um desabafo
de mal-estar em meio a euforia da justa condenação dos “graúdos” chefões que se
consideram acima da lei democrática e que pensam poderem fazer prevalecer a sua vontade. Na verdade, nem tenho proposta
para os problemas de nossa institucionalidade em relação ao monstrengo do
Centrão no Congresso, que paralisa praticamente tudo, especialmente qualquer política mais virtuosa e transformadora em
busca de direitos iguais. Mas vale enfatizar o muito que temos que fazer para
extirpar possíveis golpistas instalados nas instâncias do poder democrático,
imunes, com poder de barganha a partir do Congresso, instância democrática, mas
que poderia ser mais representativa...O coronelismo numa foi virtuoso, mas
ainda persiste em nossa institucionalidade política. Penso que deveríamos dar
mais atenção a tal problema. Não estou convicto que a distorção legal da atual
representação seja compatível com a democracia transformadora que precisamos,
até para os que vivem nos menores Estados Federados.
A questão da representação que
levanto é uma preocupação de longo prazo. A condenção dos golpistas a celebrar
e lançar foguetes não redime enquanto lutadores por democracia. Mas a tarefa de
tornar a democracia cada vez mais virtuosa precisa de muito mais. Termino
dizendo, que podemos sonhar com mais, sem medo de ser felizes.
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