É inegável a frustração com o fato de não termos derrotado a proposta fascistizante no primeiro turno. A nossa curta história democrática nos jogou no colo um monumental desafio: queremos ou não queremos democracia, pois esta é a questão que está em disputa no segundo turno. Mas, como ela está sendo percebida pela cidadania que tem a prerrogativa intransferível de decidir a parada pelo seu voto? Nunca nós, cidadãs e cidadãos de direito político igual – mas ecossocialmente extremamente desiguais, tivemos uma eleição tão estratégica e decisiva. Quando derrotamos a ditadura foi por uma via de fantásticas demandas e mobilizações, mas as condições institucionais para por um fim à ditadura foi via negociações e arranjos no Congresso, em última análise. A Constituição de 1988 devolveu à cidadania a decisão. No entanto, dependendo do resultado deste segundo turno, se a frente política democrática liderada por Lula não manter a vitória parcial do primeiro turno e se impuser ao adversário, que não esconde seu autoritarismo, o pior é de se esperar. Inclusive, como todas as análises sérias e honestas mostram, de dentro e de fora do Brasil, o que virá é a continuidade da desconstrução de direitos e políticas, desmatamento sem limites, como também a destruição da própria conquista constitucional de 1988. Estamos, acima de tudo, decidindo a continuidade da democracia que temos ou permitindo a ameaça fascista conquistar legitimidade para avançar e impor ao país o projeto antidemocrático explícito que a move. Falar sobre isto é, estrategicamente, insuficiente.
O processo eleitoral ainda está em curso e vem adquirindo
novas feições, que vale ressaltar. De minha parte, estou vendo o Lula assumindo
aquele seu um discurso mais direto e emocionado colado às sofridas demandas
urgentes de grande parte da população brasileira: fome, saúde, educação, emprego
com direitos e renda digna. São claras necessidades e aspirações
intrinsecamente democráticas. Trata-se demonstrar menos o que já soube fazer
quando governo e mais, muito mais, sensibilidade e compromisso com o que é
negado hoje. Passado é passado, inclusive porque a grande maioria da população
brasileira é formada por novas gerações de cidadania, com novas demandas
somadas às velhas, que não foram estruturalmente resolvidas. Esta realidade é o
presente difícil que temos que encarar e que nega um futuro minimamente melhor para
estas gerações de brasileiras e brasileiros. A estratégica decisão de 30 de outubro
terá a missão de definir o rumo coletivo imediato, com desenho de um futuro
democrático mais vigoroso já a partir do amanhã, sendo mostrado como desejável
e possível, desde que legitimado pelas urnas. O que importa neste momento
decisivo é ser capaz de entender e expressar com honestidade que compromissos
movem a candidatura da frente democrática anti o autoritarismo assumido pela
outra banda, no aqui e agora. O que somos e o que sonhamos ser depende de
superar faltas e exclusões a partir do que a maioria sente e demanda. O maior
entusiasmo da cidadania nas ruas, que vem mostrando a campanha eleitoral de
Lula neste segundo turno, o vejo como um sinal extremamente importante,
revelador desta sua demonstração de compromisso claro com o que move corações e
mentes famintas de pão, direitos e reconhecimento, sem violências, como
questões democráticas prioritárias. O candidato oposto, além de não ter nenhuma
sensibilidade e compromisso com o sofrimento da maioria, prega o armamento e a
destruição, com mais exclusão social e destruição ecológica, chegando a propor
o desmonte puro e simples do que considera entraves democráticos para ganhar
plena efetividade a seu projeto de poder para o Brasil.
Sabemos que os desafios para um governo democrático, mesmo
vitorioso, serão enormes. Mas, como venho afirmando e reafirmando, é a ação
cidadã, nas identidades e nas vozes das diversidades de cidadanias que a animam
e criam potência democrática e, por isto, constituem a força virtuosa única e
fundamental, que poderá dar energia paraconstruir
um futuro democrático renovado. Mas, sejamos claros, a ação cidadã democrática
e multifacetada precisa da mediação institucional do poder estatal constituído
em democracias, poder com sensibilidade, acolhimento e capacidade de
transformar sonhos e desejos de mais direitos em políticas adequadas, além de
regular a ditadura real do livre mercado. Ou seja, o indispensável complemento da
efetividade da ação cidadão é a ação estatal. Esta, porém, para levar adiante o
compromisso desde a eleição, uma vez legitimada como hegemonia no governo vai
ter que demonstrar capacidade política e técnica para dar efetividade aos
compromissos que agora se assumem.
O “viver mais saboroso”, sendo demonstrado como possível pela
campanha eleitoral, só pode ser desejado em uma democracia institucional e
política sensível e comprometida com o
combate às desigualdades, exclusões e destruições.
Muito bom te ouvir!
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