Na busca de “Sentidos e Rumos” – tarefa de síntese que me
atribui como pensador e ativista nesta fase da vida – cheguei num monumental
impasse nestes dias, anunciado na dúvida que está no título da presente
postagem. Sei que o ódio e o genocídio são práticas recorrentes na história da
humanidade. Não tenho certeza, mas acho que todos os povos tiveram e tem seus
momentos de explosão dos ódios e da prática do genocídio. No entanto, nunca duvidei
que existe um certo senso comum de que compartimos a mesma humanidade, apesar
de sermos obrigados a conviver com intolerâncias, racismos, ódios, violência e
assassinatos e extermínios coletivos, de maior ou menos intensidade, como se
fosse um modo de conviver. Não preciso ir muito longe neste quesito, pois o
Brasil é até uma nação emblemática mundialmente de prática de ódio e genocídio
larval escancarado contra as grandes periferias urbanas e rurais, os nossos
“guetos”, junto com o quase extermínio dos Povos Originários, ainda hoje
lutando pelo seu direito aos territórios usurpados.
A dúvida que me assalta é pelo que está acontecendo na guerra
entre o Estado de Israel e o Hamas, entre israelitas e palestinos. Estamos
diante de um genocídio transmitido ao vivo diariamente, nos mais diversos
canais, que nos tornam testemunhas da mais um caso de odienta barbárie contra
um povo inteiro, que somos capazes de produzir. Além da brutalidade do ataque
sem nenhuma consideração com os civis, particularmente as crianças mortas junto
com suas famílias, a guerra impacta dolorosamente por não termos muito como
agir diante disto, além de gritar. Como é possível tal violência exterminadora,
ainda mais sendo praticado pelo povo judeu que sofreu o holocausto naquele
horrível contexto do nazismo?
Aqui cabe, antes de tudo, um esclarecimento. Não dá para
confundir o Judaísmo com sionismo. O Judaísmo é uma cosmovisão sobre a origem o
Planeta, da vida e da finalidade da
humanidade, um modo de ver e praticar a vida em coletividade, uma religião e
uma potente cultura, uma das três grandes tradições monoteístas na história. O
sionismo, ao contrário, não passa de uma ideologia de poder e uma forma de
dominação, que se desenvolveu no seio do povo judeu diante de tudo que sofreu
ao longo dos séculos. A seu modo, o sionismo é uma concepção de domínio, racista,
excludente e destruidora, nada a ver com a vibrante cultura judia a não ser
pelo fato de ser abraçada por grupos de judeus. O bloco na frente do poder
estatal em Israel é composto por sionistas assumidos, de uma direita extrema
que declara abertamente a intenção do extermínio dos diferentes, no caso os palestinos em particular, mas
extensivamente os povos árabes na sua volta, em geral de tradição cultural e
religiosa islâmica.
O que assistimos nestes dias, no confronto entre Israel e o
povo palestino, é mais uma expressão de política sionista, com hegemonia
política, em ação. Com a justificativa de destruir a organização extremista do
Hamas e seu ataque surpresa em 7 de outubro, o Estado de Israel, invasor e
colonizador, está bombardeando sistematicamente tudo, em especial o “gueto de palestinos” na faixa
de Gaza, criada com a colonização brutal do povo palestino e seu território,
desde o século passado. Pior ainda, o poder imperial euro-americano é o grande
aliado e o fornecedor das armas para tal carnificina! Qualquer resolução no
Conselho de Segurança da ONU não passa, devido ao poder de veto de EUA e seus aliados.
Não se trata de considerar legítima a ação do Hamas e de nenhum
grupo de ação violenta. Mas é fácil acusar um grupo assim como terrorista e sua
forma de agir, sem ver a violenta dominação e extermínio abominável, imposto
por Israel e sua elite estatal ao povo palestino colonizado. Considerar um povo
inteiro como culpado por defender o seu direito de viver, com sua cultura e
religião, no que foi seu território, é praticar o apartheid como forma de
política de Estado. Simplesmente aterrador que isto esteja acontecendo, pois é
uma agressão também à maior parte dos povos que compõem o mundo hoje. Basta ver
a solidariedade aos palestinos que vem sendo demonstrada nas ruas e nas redes
sociais pelo mundo inteiro, até à revelia dos governos de turno nos seus países.
Não é o primeiro genocídio em grande escala a ocorrer. Já
houve outros com a mesma intensidade ou até pior. Mas por que a humanidade é
incapaz de avançar e saber compartir o
Planeta Terra entre todos os povos e de evitar isto? Será que a fabulosa
diversidade humana é o problema? Ou a falta de humanidade dos que se consideram
superiores e os únicos com direito de tudo dominar segundo a sua força bruta e
seus interesses?
Enfim, sinto-me em estado de choque. Nascido em Erechim, no
RS, de colonos poloneses católicos, quando criança tive a oportunidade de
conviver com judeus, que tinham uma grande comunidade em torno ao distrito de Quatro
Irmãos, na época. Por sinal, muitos deles falavam polonês, língua familiar para mim também. Mas
a questão da perseguição aos judeus e,
sobretudo, o extermínio praticado pelo nazistas e fascistas fui compreendendo
com o avanço dos meus estudos. Aí comecei a admirar muitos intelectuais judeus
de esquerda, de grande envergadura, que tenho como referência nas minhas
reflexões e escritos. Mas não conheço em profundidade a grande história do povo judeu. Nem conheço
adequadamente a questão palestina em si. Só sei que extermínio não é solução
para ninguém, tanto os que são colonizados, exterminados ou expulsos de seu
território, como os exterminadores dominantes, por mais que gerações passadas
tenham tido que sofrer a diáspora por séculos.
Não existe nenhum povo ou cultura superior. Afinal, o que é
ser superior? Ter exército poderoso e arma atômica? Ter o domínio da economia,
feita de exploração do trabalho humano de muitos, colonização e extrativismo
destruidor, como é o sistema capitalista dos últimos séculos?
Como pensador, analista e ativista, me engajo em busca de
transformações democráticas ecossociais, que se assentem em princípios e
valores éticos do cuidado, da convivência e do compartilhamento entre todas e
todos no Planeta Terra. Isto comungo com muitos grupos civis de ativistas pelo
mundo inteiro, movimentos sociais, coalizões, redes e fóruns civis. Mas em
nenhum lugar temos o poder estatal efetivo e, ouso dizer, nunca teremos. No
entanto, defendemos que só as cidadanias, em sua fantástica diversidade de
povos, culturas, visões, tem a legitimidade instituinte e constituinte do poder
estatal, como poder mandatado pela cidadania para regular o conjunto da
economia, vida social e política, cultural, em nome do interesse comum. Assim,
nossa capacidade se baseia na defesa de uma ordem ética, política e humanitária,
onde a democracia includente e intensa ainda é a melhor forma de viver. Nossas
armas são apenas argumentos em paciente trabalho de educação, diálogo e trocas,
debates e disputas de valores e ideias
na esfera da sociedade civil, sem violência. Nossos atos mais impactantes são
mobilizações e grandes manifestações nas ruas e espaços públicos, desde os
territórios em que vivemos. Bem, consideramos fundamental participar do poder
estatal para moldá-lo ao interesse comum. Não cansamos da disputa de ideias e
narrativas, tanto afirmativas como as que enfrentam as ideias individualistas,
autoritárias, fascistas, de defesa de interesses privados ou de grupos
específicos. Temos como lema a liberdade e a igualdade na diversidade de todas
e todos, grupos e povos, Norte, Sul, Leste ou Oeste, que formamos a humanidade.
Nenhum grupo ou povo é melhor que outro. Ninguém pode reivindicar direitos
adquiridos, pois os direitos são definidores da própria condição de compartir
humanidade ou não são, não passam de privilégios que acabam legitimando
dominações e exclusões.
Sei que esta postagem é um desabafo angustiante. Mas não dá
para ficar em silêncio diante de tragédias assim como a que está sendo
submetido o povo da palestina. A prática do extermínio agride a humanidade inteira, extrapola as
mazelas que a maioria sofre constantemente e assim mesmo vai levando a vida.
Aí, neste contexto entre o poderoso Estado de Israel e o despoliado povo
palestino, novamente beiramos o abismo da barbárie total de uma parte sobre
outra. Será a guerra total a única forma de resolver nossas legítimas e vitais
diferenças? Termino afirmando que a
vida, toda vida, se sustenta na diversidade! Prezemos, fortaleçamos e
defendamos a diversidade, talvez a condição única para a humanidade não se
autodestruir com as ideologias excludentes que nos contaminam, destruindo a nós
mesmos e o próprio Planeta, nosso “paraíso” no aqui e agora!
Real e angustiante! Estamos nos século 21 ou nao idade média! A estupidez acompanha a humanidade assim como sua esperanca num mundo melhor. Que tenhamos paz!
ResponderExcluirSandra Jouan
ResponderExcluirDesabafo angustiante mas necessário diante de tantas atrocidades. Faço de sua reflexão a minha dor de ver tanta barbárie! Acredito num mundo diverso, plural, ético e igual. Obrigada por sua contribuição.
ResponderExcluirImpressionante como a história se repete. As matanças da criação de Israel, que gerou fuga maciça de palestinos, está sendo tentatada novamente.
ResponderExcluirCom a conivência da maioria dos países ocidentais. Triste.
Excelente reflexao Candido e me pergunto qdo vamos deixar de vivenciar tantos atrocidades
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